Crítica: Está Tudo Bem Comigo?
Está Tudo Bem Comigo? (Am I OK?) – Ficha técnica:
Direção: Stephanie Allynne, Tig Notaro
Roteiro: Lauren Pomerantz
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2022 (junho de 2024 – estreia no streaming)
Sinopse: Lucy e Jane têm sido as melhores amigas. Somente quando Lucy embarca em uma jornada pessoal, ela enfrentará um teste de sua amizade e de seu senso de si mesma, em um caminho que ela pode não estar totalmente pronta para tomar.
Elenco: Dakota Johnson, Sonoya Mizuno, Jermaine Fowler, Kiersey Clemons, Molly Gordon, Whitmer Thomas, Sean Hayes, Tig Notaro.
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Estrelado por Dakota Johnson e Sonoya Mizuno, “Está tudo bem comigo?” chegou ao catálogo do serviço de streaming Max, nessa última sexta feira (07). Dirigido por Tig Notaro e sua companheira Stephanie Allynne e roteirizado por Lauren Pomerantz, a comédia romântica de amizade e descoberta da sexualidade de uma mulher de 32 anos consegue ser divertida, leve e consciente de suas limitações. Tendo estreado no Festival de Sundance de 2022, o filme só viu a luz do dia de verdade agora em 2024 com a estreia no streaming.
Lucy (Dakota Johnson) e Jane (Sonoya Mizuno) são amigas de longa data e pensam saber tudo uma da outra até que Jane, por uma promoção de trabalho, precisa se mudar de país, alguns conflitos e descobertas sobre o próprio desejo, colocarão em risco essa amizade que parecia inabalável. “Está tudo bem comigo?” apresenta uma problemática muito simples e com as clássicas batidas de roteiro de uma comédia romântica. Lucy com 32 anos, parece empacada na vida. Jane, tem um emprego e relacionamento estável e está em ascensão de carreira, diferente de Lucy. Com a promoção de Jane, Lucy muito solitária, entra em uma crise de separação e se dá conta de nunca ter contado para a melhor amiga sobre sua sexualidade, ser lésbica. Esse segredo, guardado a sete chaves por Lucy para ela mesma e para a melhor amiga, apesar de ser considerado uma coisa menor e ser levado com humor por ambas, produz alguma mágoa, ainda que oculta, sobre esse amizade.
Todo esse caldo é o motor da trama. Lucy descobrindo e assumindo a própria sexualidade, enquanto Jane se esforça para empurrar a amiga para a vida sem se dar conta da forma controladora e rígida que lida com a própria vida e com os relacionamentos. É uma jornada de desconstrução por parte de Jane, e de florescimento por parte de Lucy, ou seja, um casamento perfeito para o amor e para os conflitos. Uma desce e outra sobe até equalizarem a situação, e até aí tudo normal, mas é um normal mediano. “Está tudo bem comigo?” é um filme flat, quentinho, suave. Lucy, muito tímida e introvertida, tem em Jane o contraponto essencial, extrovertida e comunicativa, mas por vezes, esses arquétipos assumidos na ficção e por vezes na realidade, escondem pequenas mágoas pouco discutidas pelo bem da continuidade da relação.
Toda relação, inclusive as de amizade, em algum momento – ou em vários – precisa passar por uma revisão da vida toda, ou a famosa DR; onde há mais de uma pessoa, há conflito, já que são sujeitos diferentes. E é notável a implicação de conflitos feitos pela roteirista Lauren Pomerantz que, apesar de simples, mas não simplório, consegue estabelecer um diálogo interessante sobre a amizade que se desestrutura por um hiper conhecimento, sem conhecer, às vezes, o mais básico. Sabemos tanto, mas não sabemos nada, ou não queremos saber. Dakota Johnson encarna uma personagem que é a cara dela; meio desligada, apática e com o humor autodepreciativo muito atrativo, o que ajuda criar a empatia necessária com o público. Já Sonoya Mizuno é a amiga que incentiva, tem coragem e extrapola os limites do controle, mas esconde o grande vazio que sente, uma incompletude. Lucy e Jane se encontram e se amam pelo vazio, mas pouco falam dele.
A direção de Tig Notaro e Stephanie Allynne é competente, sóbria e não apresenta nenhuma inventividade, mas é perceptível o tom autodepreciativo muito característico do humor de Notaro. Mais conhecida pelos seus especiais de stand-up espelhados pelos streamings, Tig Notaro e Stephanie Allynne – que escreveram alguns desses especiais – formam uma bela dupla de escritoras e, confesso, fazem o tipo de humor que eu gosto, autodepreciação com pitadas de constrangimento. Apesar de não apresentarem nada muito interessante na linguagem, já que visualmente é tudo muito básico, da escolha de planos ao design de produção, também não avançam sobre a personalidade das protagonistas para garantir maior desenvolvimento. Por outro lado, a dupla de diretoras é relativamente eficiente em dar leves toques autorais na montagem com um timing cômico interessante, e na direção das atrizes, especialmente de Dakota Johnson que está acostumada com esse tipo de papel blasé e divertidinho.
Apesar de tocar no tema da saída do armário de forma tardia – verbalizado pela protagonista – de uma mulher lésbica, o filme economiza nesse dilema para apostar numa abordagem mais ampla. Uma vez que o desafio de se assumir num tempo e lugar mais favorável está superado, um olhar abrangente faz mais sentido, já que, uma vez que a sexualidade encontra sua expressão, o resto, que estava empacado, começa a andar. Se libertar da censura de si mesmo, faz com que o resto da vida também flua com mais naturalidade, pois como sabemos, o motor humano é a sexualidade, não só a orientação sexual, mas como colocamos nossa energia psíquica no mundo. Felizmente o filme é bem espertinho ao se dedicar a isso de maneira muito orgânica, e a via da comédia é uma boa saída.
“Está tudo bem comigo?” é uma comédia romântica que trata de seus temas com maturidade sem deixar o bom humor de lado, mas que pouco aposta nos códigos queers que poderiam dar uma apimentada no seu drama. A direção muito lugar comum, com pouco apuro técnico e sem grandes conhecimentos aparentes da linguagem cinematográfica queer que poderia engrandecer a narrativa, deixa a sensação de algo morno, pouco temperado, mas que não chega a ser insosso. Ao mesmo tempo dá para cravar que o humor é o grande trunfo, diferente do romance que nem sempre é bem trabalhado. É um amor de amigas que fica na sugestão de ser algo mais, um mais que não chega e que está tudo bem, já que até para o amor, existe uma hora de crescer.