Crítica: Rivais
Ficha Técnica – Rivais (Challengers)
Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: Justin Kuritzkes
Elenco: Zendaya, Mike Faist, Josh O’Connor, Bryan Doo.
Sinopse: Tashi, uma ex-jogadora prodígio do tênis que virou treinadora, transformou seu marido em um campeão. Mas para superar uma sequência de derrotas, ele precisa enfrentar o ex-melhor amigo e ex-namorado de Tashi.
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Qualquer pessoa que já assistiu uma partida de tênis na vida, seja in loco ou por intermédio de uma transmissão televisiva, sabe muito bem que não se trata do esporte mais dinâmico do mundo. Diferentemente do basquete ou do futebol, esportes coletivos de cinco ou mais jogadores cujo estímulo visual percorre toda a área de um campo ou de uma quadra, o tênis pode ser um monótono vai-e-vem, o qual retém nossa atenção sempre nos mesmos sentidos: da esquerda para a direita, da direita para a esquerda. Em looping.
Dito isso, faço a mesma pergunta que deve ter feito o diretor de Me Chame Pelo Seu Nome (2017) a imaginar a premissa do seu novo filme: como tornar o tênis cinematograficamente interessante? Qual deve ser o ponto de partida do filme se desejo provocar o interesse genuíno do espectador? Como tornar o jogo (de cena), no fim das contas, excitante? Minha escolha de palavras não é por acaso, claro: Guadagnino escolhe o sexo, especialmente o tesão, como a mais útil ferramenta de dominação – sobre seu filme e sobre seus espectadores.
Seja pelo levantar que um vento suave faz em uma minissaia ou pelo comprimento reduzido dos shorts filmado à altura da bunda o suficiente para observar seus contornos, o que movimenta a bola (o espectador) em “Rivais” é essa curiosidade permanente invocada através do desejo que habita os três personagens principais e suas incrivelmente complicadas relações. Tashi (Zendaya) é o ponto de conversão entre Art (Mike Faist) e Patrick (Josh O’Connor), a forma como sua personagem é apresentada desde o princípio parece situá-la como a principal espectadora desse jogo, em um lugar como o nosso. Ledo engano.
Em um segundo momento, a decupagem de Guadagnino revela outra coisa: esta não é uma espectadora comum. Ela é a única dentre toda a arquibancada que não parece seguir à risca direita-esquerda-esquerda-direita das cabeças. Do plano aberto para o plano médio, é fácil notar que ela vê além do que estamos vendo. Um jogador ou outro parece deter a sua atenção por mais tempo, mas não sabemos qual – e nem porquê. Estão escondendo o jogo de nós. E nós, agora, precisamos saber o que realmente está acontecendo aqui.
É então que a partida de verdade se inicia e o filme incorpora por completo a estrutura de um jogo de tênis, com sets e match points. O vai-e-vem dos flashbacks nos lança (como bolas, mesmo) trezes anos antes no tempo, depois três semanas depois, depois doze anos antes, depois na noite anterior, depois no tempo presente, depois, depois… É incansável o número de vezes que o filme retorna a momentos cruciais da relação dos três personagens e vai adicionando, assim, em cada retorno à partida principal (ou ao tempo presente), uma nova acepção dessa mesma situação inaugural.
Todas as vezes que voltamos no tempo, não somos mais os mesmos diante do jogo. Não apenas as nossas visões sobre os personagens mudam como uma vez que não sabemos para quem (e nem se) devemos torcer, o filme se torna ainda mais admirável em seu nível de complexidade. O que antes parecia pragmático, sistemático em sua estrutura e um tanto mecânico, acaba sendo transmutado em uma forma muito mais passional. Abandona-se o uso dos movimentos de eixo que emulam o movimento da bola, para que o ponto de vista do espectador então se torne a própria. Uma manifestação da cada vez mais presente gamificação do cinema também. Ultramoderno, muito propício ao cinema jovial e fresh de Guadagnino.
De certa maneira, a forma como “Rivais” enche de vida e dinamismo uma simples partida de tênis me lembra o que Hitchcock fez há mais de 70 anos em “Pacto Sinistro” (1951). Não apenas porque a cena da arquibancada e sua decupagem são similares à cena inicial aqui citada, mas porquê tanto Guadagnino quanto o diretor inglês parecem ter plena compreensão do que já sabemos ser uma verdade intrínseca a este fazer artístico há muitos anos: no cinema o “como” se filma é muito mais importante do que “o quê” é filmado. São nessas escolhas que mora o cinema em sua essência, como expressão ancorada na imagem em movimento.
E, para usar uma frase do próprio filme, “tudo é sobre tênis”, sim, mas aqui o tênis também é sobre sexo – sexo como ferramenta de poder, controle e desejo no cinema. Não importa o quanto o neoconservadorismo insista em torcer o nariz para isso, no fim das contas a retratação da nossa mais intensa e primitiva forma de relacionar-se ainda será uma das mais interessantes maneiras de estimular o público, seja pela mera imaginação, provocativa por essência ou pela sua mais clara exposição que mira a excitação ou o desprezo. O bom é saber que ainda existe tesão no cinema e que para gostar de “Rivais” não depende do seu nível de paixão pelo esporte, apenas do seu nível de tesão pela tela.