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Crítica: Pobres Criaturas

Ficha Técnica – Pobres Criaturas (Poor Things)
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Troy McNamara
Elenco: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe, Ramy Youssef.
Sinopse: A “garota Frankenstein” Bella Baxter (interpretada por Emma Stone), criada a partir do cérebro de um bebê e o corpo de uma mulher morta, vive entre a mentalidade de um infante e os primeiros impulsos sexuais vorazes de uma adulta acaba saindo da sua zona de conforto numa série de acontecimentos que a levam até uma jornada de auto–descoberta e conhecimento.

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As aventuras de Bella Baxter são transmitidas por Yorgos Lanthimos com um apelo técnico que soa bem orgânico como se estivéssemos entrando no mundinho particular de Bella, percorrendo a contradição da sua dimensão, e aí então lentes amplas, olhos de peixe, usos de grande angulares, de cenários distorcidos, as distorções do quadro, os efeitos, a fotografia febril do Robbie Ryan, de cores aquareladas após um início em preto e branco e a direção de artes os cenários de cores saltadas e os figurinos que trazem uma expressividade amalucada e vibrante entre um filme de época mais caricatural, estilizado e uma ficção cientifica no meio disso tudo.

Diferente dos seus outros filmes, aqui a construção técnica da coisa não parece tão óbvia e distrativa, e sim um jeito de adentrar o estudo de personagem feito para capturar o olhar de Bella com uma bela trilha sonora que também captura o tom do filme. Lanthimos e o seu roteirista Troy McNamara – que fez com ele o seu melhor filme “A Favorita” e está por trás da série “The Great” – criam um texto de piadas bem acertadas, explorando o absurdo de tudo ao redor deles, a sexualidade, escatologia, o lado bobalhão dos seus personagens e do que acontece com eles. Dentro disso, a Emma Stone está muito bem equilibrando a comédia baseada na caracterização da sua personagem (que por vezes me lembrou a Charlize Theron no “Arrested Development”) e um certo encanto em como Bella passa pelo mundo ao seu redor e o sente. Uma pena que na maioria do tempo a personagem para Lanthimos e McNamara seja muito mais um conceito que o filme quer tratar do que uma pessoa, o que atrapalha em certo medida o potencial da atuação de Stone.

Tanto McNamara quanto Emma Stone são responsáveis por elevarem um pouco mais o cinema do Lanthimos para além de um fetiche técnico ou da obviedade, o problema é que mesmo eles, apesar das suas qualidades, se deixam contaminar bastante com vícios que vão adentrando ao filme com o tempo e que acabam deixando a narrativa ainda mais torta, fazendo que até os seus méritos técnicos se tornem parte de um marasmo. Enquanto o núcleo familiar que Bella desenvolve com os personagens de Willem Dafoe e Ramy Youssef passeia por essa coisa do encanto e do humor, suas viagens com o personagem do Mark Ruffalo que tomam grande parte do filme começam espirituosas, mas vão ficando cada vez mais repetitivas, redundantes e chegam até a caírem numa apatia boba e repetitiva de “oh, como eu sou bizarro” quando Bella se encontra sozinha e entra para um bordel.

Com direito a um momento de remeter ao “Um Filme Falado” do Manoel de Oliveira que é bem tolo (fico pensando no próprio Manoel vendo algo assim) pontuando a sua crítica social de um jeito tão obvio e com uma seriedade que acho um tanto quanto artificial. Não ajuda o fato da interpretação do Ruffalo e o personagem dele ser tão óbvio também, uma das piores coisas do filme. Pra cada boa piada (como ele batendo a cabeça), tem um sentimento que o pitoresco do filme em explorar Bella vai se tornando um mecanismo prolongado já manjado de “uma piada de nota só”, que é gracioso e doce, mas muito descaradamente calculado ao ponto de saltar aos olhos do pior jeito. Nos momentos do navio e quando Bella está em Paris, o filme parece adentrar numa lógica onde a técnica – tão bem usada no começo dele – agora remete só a um jogo de repetições já manjadas virando um pouco de parodia de si mesmo.

O fato de o filme ser tão inchado, perder o ritmo dentro das suas repetições e do meio pro fim ter que desenhar de um jeito tão didático todo o seu ponto temático de crítica social, com momentos “sérios” que parecem artificiais e recorrer a mais uma repetição tirada da cartola do que ele já estava fazendo que me soa com a chegada de um novo personagem que é só desgastante e uma quebra de ritmo, acabam fazendo que ele pareça nunca atingir uma força que ele parece querer, apesar das suas qualidades. Porém, apesar dos seus problemas, a criação do mundinho de Bella Baxter e da sua jornada tem lá o seu encanto e o seu divertimento para garantir uma boa sensação pelo menos.

  • Nota
3

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