Tudo é válido em nome de democratizar a arte?
A discussão sobre pirataria no cinema não é recente. Volta e meia o assunto retorna, com grupos que defendem tanto o encerramento da prática, quanto grupos que defendem que compartilhar filmes ilegalmente é uma prática que ajuda na democratização do cinema.
Dias após o lançamento do filme Pedágio nos cinemas, uma cópia foi disponibilizada em um grupo e reacendeu a discussão. Repassaram o filme defendendo que é uma forma de democratizar a cultura. Uma maneira de fazer com que quem não tem acesso a salas de cinema possa ver o longa.
E em um país como o Brasil, onde a desigualdade social é grande, a pirataria acaba se tornando o único meio que algumas pessoas possuem para ver uma obra cinematográfica.
Mas é compreensível compartilhar um filme brasileiro que acabou de sair em circuito comercial?
O cinema brasileiro vem de um momento de grande dificuldade, quando o último governo nacional promoveu um desmonte gigantesco do nosso audiovisual. Ficamos sem Ministério da Cultura, a cota de tela foi encerrada, muitos editais foram cancelados. E o profissional de cinema, mais do que nunca, precisou fazer malabarismo para seus filmes verem a luz do dia.
Só que mais do que produzir um filme, no momento em que o país se encontra, tentando se reconstruir do desmonte que o audiovisual sofreu no governo anterior, fazer um longa-metragem chegar às salas de cinema e se manter nelas é uma tarefa complexa e difícil.
Sem a cota de tela, os exibidores colocam a grande maioria das salas de cinema para passar blockbusters americanos. Poucas são as salas que restam para os lançamentos brasileiros. E muitas vezes os horários de exibição são terríveis.
E para que os filmes nacionais possam ter mais salas e horários melhores, a bilheteria das primeiras semanas é essencial. Atualmente sem uma boa bilheteria os exibidores não liberam salas para que os filmes nacionais passem. E ainda usam do argumento que filme nacional não dá público, o que não é verdade, já que quando os filmes brasileiros passam em várias salas e em horários diversos, o público vai assistir.
Então, quando uma pessoa pirateia um filme nacional nos seus primeiros dias de exibição, ela não democratiza o cinema. Ela dificulta a vida de toda uma cadeia audiovisual. Ela precariza mais ainda a vida do profissional de cinema. Um profissional que normalmente ganha menos do que muita gente imagina. Um profissional que nem sempre tem trabalho o ano inteiro. Um profissional que luta muito para ver sua produção chegar ao público.
E ok, a arte precisa chegar a todos os tipos de público, mas isso é um problema político, que precisa ser sanado. Só que pirateando filmes nacionais em suas primeiras semanas o que vai acontecer é que menos filmes vão ter oportunidade de chegar aos cinemas, menos produções serão feitas. Menos profissionais serão pagos.
Arte é direito do povo. Só que também é direito do trabalhador das artes, ser remunerado de forma justa pelo seu trabalho. Enquanto as pessoas usarem o discurso de que tudo é válido para supostamente democratizar as produções artísticas, os profissionais das artes não verão seu trabalho ser tratado com dignidade.