Crítica: O Coro do Te-Ato – FIM Cine
O Coro do Te-Ato
Direção: Stella Oswaldo Cruz Penido
Roteiro: Stella Oswaldo Cruz Penido, Joana Collier
Elenco: Adauto de Souza Santos, Ademar Olímpio Papaléguas, Adyr D’assumpção, Martinha Sattamini de Arruda, Vik Birkbeck.
Sinopse: José Celso Martinez Corrêa volta do exílio e forma um coro de atores de diferentes lugares e várias origens para a reabertura do Teatro Oficina, em São Paulo. Ainda na ditadura, este grupo muito diverso, com fortes influências indígenas e do candomblé, se depara com uma falsa ideia de liberdade e é duramente reprimido e proibido de trabalhar.
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Em 2022 eu tive o prazer de assistir e escrever sobre o documentário “Máquina do Desejo” de Bernard Lessa, o qual esteve em exibição durante o Festival Guarnicê de Cinema e abordava, por meio da sobreposição de inúmeras imagens de arquivo, a história de resistência e revolução do Teatro Oficina. Aquela foi a primeira vez que me conectei com o grupo dirigido pelo brilhante José Celso através do cinema.
A segunda vez foi agora, em 2023, durante o FIM Cine, mais especificamente durante a exibição de “O Coro do Te-Ato”, obra documental de Stella Oswaldo Cruz Penido. Embora ambos filmes utilizem preciosas imagens de arquivo para construírem suas narrativas, o resultado são duas abordagens sobre o Oficina que se mostram completamente distintas – ainda que partam do mesmo objeto de encantamento.
O mais interessante sobre Coro é, sem dúvidas, seu viés feminista e indigenista sobre o Oficina e seus bastidores. Enquanto Maquina do Desejo se utiliza desse trabalho rigoroso de seleção de imagens de arquivo para construir um filme alucinógeno e eisensteiniano, Coro do Te-Ato possui uma abordagem documental mais clássica que alterna imagens de acervo com entrevistas e vários momentos de conversa filmados no ápice da sua naturalidade.
Em que pese abordar uma série de assuntos distintos durante o filme, principalmente sobre o momento da Ditadura Militar, Stella irá ater-se nem mais na vida das mulheres que compunham o coro do Teatro Oficina e em como, durante muitos momentos difíceis, o grupo não teve saída a não ser apegarem-se uns aos outros para passarem juntos e mais fortes pelas turbulências mais inimagináveis. Desde a fome até a perseguição política.
Resta claro, durante as conversas entre os amigos, que o que compartilharam enquanto família carece de dimensão, é absolutamente imensurável. Eis onde mora o ponto de conexão profunda com a cultura indígena: o senso de comunidade construído entre eles. O interesse pelos grupos nativos brasileiros reverberou na criação dos filhos do Teatro: filhos dos atores que fizeram dali sua casa durante tantos anos. O documentário de Stella não é apenas sobre aqueles que ajudaram a construir a história, mas aqueles que vieram ao mundo depois dela.
Ao fim, o Coro do Te-Ato é menos sobre o Teatro Oficina e mais sobre os laços e conexões que nasceram a partir desse momento único e incontornável, especialmente entre as mulheres, escancarando a ferida inclusive dos problemas de morarem na mesma casa durante anos e os assédios que todas sofreram muitas vezes caladas, manifestado apenas através de divagações em um pedaço de papel.
Em meu segundo contato com o Oficina no cinema, o mais interessante foi ver uma outra abordagem, bem diferente daquela que me deparei primeiro. Coro deixa mais claro que o grupo realmente foi composto por pessoas, principalmente mulheres com coragem, força e inteligência invejáveis, as quais hoje podem ser devidamente reconhecidas pelo olhar de uma amiga eterna e querida. Fica depois uma gratidão imensa sobre o que esses artistas sacrificaram em nome da importância de se fazer arte no Brasil. Algo que continua até hoje, infelizmente, necessitando que sejamos resistência e jamais esqueçamos da nossa própria História.