Crítica: Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes
Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes
Direção: Francis Lawrence
Roteiro: Michael Lesslie, Michael Arndt, Suzanne Collins
Elenco: Rachel Zegler, Tom Blyth, Viola Davis, Fionnula Flanagan, Hunter Schafer, Ashley Liao, Josh Andrés Rivera, Peter Dinklage, Jason Scwartzman.
Sinopse: Anos antes de se tornar o tirânico Presidente de Panem, Coriolanus Snow, aos 18 anos, vê uma chance de mudança de sorte quando é escolhido para ser mentor de Lucy Gray Baird, uma garota tributo do empobrecido Distrito 12.
Em outros tempos, a indústria de Hollywood não hesitaria em transformar a história do livro “Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, de Suzanne Collins, em uma trilogia. Há estofo para isso: um livro de mais de 500 páginas (que eu não li) como base, uma trama dividida em três partes e inúmeros personagens que poderiam ser mais explorados.
No entanto, não deixa de ser igualmente interessante que o livro tenha se tornado um único e menos arriscado filme: enxuto para seu conteúdo, com pouco mais de duas horas e meia de duração, e que já se resolve como obra única. No começo, é evidente que trata-se de uma adaptação de um livro que se propõe a retomar o universo de Panem, criado por Collins: os diálogos são expositivos e estão preocupados em deixar tudo bem esclarecido ao espectador, mas isso dura apenas alguns minutos.
Francis Lawrence, que também comandou três filmes da quadrilogia inicial, se mostra confortável com o universo e faz boas escolhas: explora o ambiente com planos abertos, aproveita a paisagem e os planos de fundo sempre que necessário (bem como os sons), e olha para Lucy Gray sempre dando a ela a força sutil necessária para mostrar que a personagem é, também, tão misteriosa quanto seu mentor e par romântico – em sua última cena, ela é vista de baixo, crescendo em relação a um Snow agachado e confuso.
Coriolanus Snow, o protagonista, é vivido com intensidade e dubiedade por Tom Blyth. Não estamos falando de uma atuação acima da média, mas boa o suficiente para que o filme apresente sua maior discussão: o quanto estamos dispostos a ceder à violência para alcançarmos nossos objetivos. E se Viola Davis e Peter Dinklage parecem se divertir com seus personagens (seguindo a tradição de grandes astros em papéis de vilões ou sábios nesse tipo de franquia), ressalto aqui a profundidade que Hunter Schaffer dá para Tigris, mesmo com pouco tempo de tela.
Dentro da realidade apresentada no universo de Panem, as explicações e acontecimentos relacionados àquela sociedade se fazem bastante verossímeis. Os paralelos com a realidade social do nosso mundo são evidentes e, ainda que estejam longe do medíocre, não representam nenhuma genialidade de Suzanne Collins ou da equipe de design de produção do filme – ainda que esta tenha feito escolhas muito interessantes no sentido de colocar em prática a realidade de algumas décadas anteriores à quadrilogia inicial. Eu até me lembrei quando escrevi sobre o paralelo entre as canções “Hanging Tree” e “Bella Ciao”. Também imagino o tanto de curiosidades e possíveis interpretações que os fãs podem fazer ao rever o filme e reler os livros.
Em tempos de prequels inchadas e enfadonhas – como os tais “animais fantásticos” – ou de franquias exageradamente rocambolescas como a multitude de filmes de super-heróis, é bom se deparar com Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes. É justo, eficiente, e ainda traz riquezas e complexidades que, se não garantem uma obra prima, tampouco apresentam algo descartável ou vazio.
Ainda bem que não vivemos em Panem! Imagina se estivéssemos em um mundo onde populações inteiras fossem encurraladas em distritos, ameaçadas pela violência do Estado e controladas por meio da pobreza e do entretenimento pautado na ideia de uma meritocracia ilusória que afirma haver uma saída individual? Seria terrível!
Filme visto na première do Topázio Cinemas