Crítica: A Besta – 47ª Mostra de São Paulo
A Besta
Direção: Bertrand Bonello
Roteiro: Bertrand Bonello, Guillaume Bréaud, Benjamin Charbit
Elenco: Léa Seydoux, George MacKay.
Sinopse: Um épico que mistura gêneros e possibilidades sobre a conexão de duas pessoas durante diferentes tempos.
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Em “A Besta”, Bertrand Bonello acaba fazendo um procedimento cinematográfico de assumir e abraçar os choques entre elementos. Começamos o filme com o romantismo, a elegância, o melodrama e o folhetim. Vemos isso sendo tratado e construído com a modernidade e a ficção cientifica ao seu redor. Mas esses fatores ainda estão muito nos cantos, nas sombras.
Aos poucos a abordagem de uma premissa que parece uma abertura de metáforas sobre a nossa vida moderna, a tecnologia, o amor e relações humanas vai se tornando algo diferente. Vai se mostrando algo extremamente clínico, acido, gélido, satírico, provocador, histérico, anárquico, surreal e violento. Se a parte do passado começa meio morna, pouco envolvente, distanciada, com o tempo é possível ver e sentir que o filme quer apresentar um contraste extremo e unir duas antíteses (que se tornam três) numa coisa só, o que justifica e fortalece aquele começo para o salto que é dado.
E quando esse salto de qualidade imenso acontece é porque isso já foi preparado. É pra falar sobre as diferentes formas de se relacionar? O papel da tecnologia nos relacionamentos? Nas vidas? As mudanças entre tempos? Da subversão de expectativas? Das diferentes formas de “impedimento” do amor? Ou simplesmente brincar com tudo isso? Ou mil alternativas? O filme joga isso pra você, num poço de criatividade e ousadia no seu roteiro ao promover todos esses fatores, te faz sentir aquela experiência, aquelas criações dele como homem de ideais, também como encenador, e te leva por isso dominando plenamente esse mar de insanidade e vertentes que o filme tem por abraçar completamente seu estilo frenético e fazer com que ele ofereça as mais variadas possibilidades de criação. De invenção.
De uma premissa que parece unir “Cloud Atlas” e “The Leftovers” para ir a um drama de época me lembra um pouco Terence Davies para chegar num filme que mistura De Palma, Cronneberg, Lynch, Verhoeven e Bruno Dumont pelas mãos do cineasta Bertrand Bonello. Várias vidas alternativas, realidades paralelas, subversões dos sentimentos e possibilidades de destino se chocam e se repetem.
Comentando o nosso próprio mundo com a linguagem, um lado da genialidade de Bonello está em ser capaz de construir com tamanha naturalidade um espetáculo onde a câmera fechada nos olhos de Léa Seydoux, na sua boca, nos brincos nas suas orelhas, na câmera se aproximando da sua personagem lentamente, na tela se dividindo em quatro, em dois, no exagero formal, no fato de assumir a artificialidade da própria fotografia digital, artificialidade essa que já se choca desde a espetacular cena do afogamento e na montagem sensacional que Anita Roth dá para as cenas, dilacera os momentos em pedaços, faz personagens desaparecem e torna com que a ação de momentos completamente diferentes conversem entre si chegando ao ápice talvez num momento de invasão a uma casa que é digno de aplausos. Léa Seydoux domina completamente suas mais diferentes encenações sobre “o encanar” e cria uma gigantesca interpretação. Das melhores do cinema recente.
Sua cena final é tão impactante graças a sua união de pura sintonia com Bonello, com o filme que está e um George MacKay inspiradíssimo principalmente na faceta mais moderna do seu personagem.