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Crítica: Rotting in the Sun

Rotting in the Sun
Direção: Sebastián Silva
Roteiro: Pedro Peirano, Sebastián Silva
Elenco: Jordan Firstman, Catalina Saavedra, Sebastián Silva, Martine Gutierrez, Mateo Riestra, Alberto Rafael Cortes.
Sinopse: Sebastián Silva está separado da vida, lutando para ter sucesso no mundo da arte e habitualmente tomando cetamina. Quando ele conhece o influenciador de mídia social Jordan Firstman em uma praia de nudismo, os dois discutem a colaboração, mas o destino tem outros planos.

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Existe uma máxima do mundo LGBTQIA+ que é justamente o ‘‘mundo LGBTQIA+’’. Ninguém sabe o que é isso com precisão. O que se sabe, como a própria sigla faz questão de enunciar, é a diversidade de expressões, de identidade de gênero, orientação sexual, e os mais diversos tipos de pessoas com gostos muito próprios, afinal, temos mais em comum do que se imagina. O ponto é que ao articular como comunidade, a luta política é mais organizada, logo, mais difícil de se desarticular quando vemos nossos direitos vilipendiados dia e noite. O que isso tem a ver com Rotting in the Sun, novo filme disponível na Mubi? Quase nada e tudo. Apesar de utilizar a comunidade LGBTQIA+ para contar sua história, o diretor e roteirista Sebástian Silva propõe uma discussão universal: como nos relacionamos com as pessoas para além das performances fora da tela e onde foi parar nossa capacidade de criar intimidade para além dos nossos próprios interesses.

Sebastian Silva faz um recorte da comunidade e comunica a sua história a partir das relações entre homens gays. Silva faz a si mesmo. Está deprimido, cansado e com pensamentos suicidas e ninguém parece ligar. Numa situação inusitada cheia de pênis, bundas e sexo, Sebastian encontra Jordan Firstman, que também interpreta a si mesmo. Algumas bobagens sobre predestinação de encontros pra cá e afogamento pra lá, ninguém parece ligar para nada, e o que importa é o próprio prazer e satisfação – não apenas no sexo, mas na vida. A privacidade se esvai, e sobra apenas a performance e o espetáculo celebrado das redes sociais.

Rotting in the Sun faz uso de uma linguagem quase documental, semelhante a um mockumentary. Com o uso da câmera na mão sempre muito observadora e intrometida, assistimos a derrocada e a desimportância do sofrimento do outro que, apesar de compartilhar semelhanças, se não for útil para o eu, não interessa. Sebastian está imerso no sofrimento e suas apostas são apenas na sua destruição, ainda que se distraia levemente com muitos pênis e bundas numa praia de nudismo. Firstman também está imerso apenas em si, não no sofrimento aparente, mas nos likes, ao mesmo tempo que parece totalmente anestesiado e indiferente para com a realidade que vive.

A reviravolta acontece no segundo ato quando o mistério se instala, e entra em cena a ótima Catalina Saavedra, no papel de Vero, empregada de Sebastian. A discussão em torno do que importa, e no tempo de quem demanda alguma resposta fica mais urgente. Silva trabalha isso com uma direção perspicaz que alinha urgência, paciência e controle da tensão. Aproveita o tempo para desenvolver a desimportância que Firstman, mais preocupado com seu projeto de TV e com a atenção que quer receber, do que a realidade parece demandar. Enquanto Vero se ocupa em dar conta da realidade objetiva que foi colocada, o resto, apesar de alguma desconfiança, continua a tratar da sua vida como se nada tivesse acontecido.

O sexo e a nudez não são inúteis, pois introduz – desculpa o trocadilho – e discute o que realmente importa para aquelas pessoas na visão de Sebastian. O roteiro balanceia esses temas de forma competente, engraçada e nada moralista. Talvez a exceção esteja na metade do segundo ato que parece cair numa burrice generalizada dos personagens. Até entendo que ninguém verdadeiramente ligue para o que aconteceu, mas elementos extremamente úteis e dependentes até aquele momento, como o celular, são abandonados para logo em seguida serem resgatados. No geral isso não atrapalha pois serve para a comédia, ainda que mórbida.

Sebastian, faz a marcação geográfica na comunidade LGBTQIA+, mas sua história comunica universalmente ao discutir de forma focada, o que podemos traduzir no termo ‘’narcisismo das pequenas diferenças’’, proposto por Freud. O excesso de importância que damos a nós mesmos, talvez exacerbado pelas redes sociais, nos aliena da realidade que parece ser pouco interessante. O foco passa a ser nas diferenças familiares, o que cria negligências frente ao que talvez realmente tenha importância naquele momento. A dificuldade de encontrar uma língua comum, simbolizada de forma cômica com um translate, ecoa por toda a narrativa anulando a capacidade de escutar e falar.

De maneira crítica e sem julgamentos, Sebastian Silva e Jordan Firstman utilizam essa obra para debater a facilidade que falamos sobre sexo, erotismo e liberdade do corpo dentro da comunidade LGBTQIA+ ao mesmo tempo que temos pouca ou nenhuma liberdade para discutir assuntos mais sérios como saúde mental – seja lá o que isso quer dizer. Questões sobre depressão, suicídio e outros adoecimentos psíquicos atravessam todas as pessoas, mas talvez em pessoas LGBTQIA+, isso acabe sendo negligenciado com mais facilidade, justamente por não encontrar um meio termo entre essa liberdade do sexo e do corpo e a liberdade íntima para conversas mais sérias e complexas.

Rotting in the Sun é competente em não demonizar o sexo, o erotismo e a liberdade sexual sempre presente na comunidade LGBTQIA+, – mesmo que na atualidade, gerações mais novas estejam mais conservadoras, caretas e autoritárias frente a essa liberdade duramente conquistada. Utiliza esses elementos e a comédia do absurdo para contar sua história carismática e tragicômica, recheada com elementos de whodunnit às avessas, e levanta um debate necessário sobre saúde mental, economia da atenção e a tão deseja, ao mesmo tempo repudiada, alienação a própria imagem. E quem nunca se alienou que atire a primeira pedra.

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