Crítica: Drácula: A Última Viagem do Deméter
Drácula: A Última Viagem do Deméter
Direção: André Øvredal
Roteiro: Bragi F. Schut, Zak Olkewicz
Elenco: Corey Hawkins, Aisling Franciosi, Liam Cunningham, David Dastmalchian, Javier Botet, Chris Walley, Jon Jon Briones, Stefan Kapicic, Martin Furulund, Nikolai Nikolaeff, Woody Norman.
Sinopse: Baseado em um único capítulo arrepiante do romance clássico de Bram Stoker, Drácula: A Última Viagem de Deméter conta a terrível história do navio mercante Deméter, que foi fretado para transportar cargas particulares — cinquenta caixotes de madeira sem identificação — de Carpathia a Londres.
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Por um bom tempo, a Universal Pictures pareceu não ter muita ideia do que fazer com seu universo de monstros (conhecidos como “Monstros da Universal”), propriedades de valor ímpar marcadas na história do cinema. Após tentativas falhas de ressuscitar (e modernizar) essas licenças através de um universo compartilhado como fizera no passado, mas diante de um esquema no estilo do universo Marvel, com filmes como Drácula – A História Nunca Contada (2014) e A Múmia (2017), o estúdio pareceu abraçar um caminho mais interessante ao investir em produções menores em escala e orçamento, como a boa reimaginação O Homem Invisível (2020). Nessas reinvenções em produções menores, abre-se mais facilmente a possibilidade de reconfigurar os papéis e dinâmicas dos icônicos monstros inclusive por caminhos tonais, como a comédia de terror Renfield (2023). Se O Homem Invisível oferecia uma nova ótica ao trazer uma história contada do ponto de vista da vítima do personagem-título, Renfield retrata Drácula como um chefe de trabalho abusivo em papel secundário, trazendo o foco narrativo para seu servo em tom irreverente.
Esta foi apenas a primeira produção da Universal neste ano a figurar aquele que provavelmente é “seu” monstro mais famoso, a segunda sendo este Drácula: A Última Viagem do Deméter. O caminho de colocar estes ícones em apresentações inusitadas segue o mesmo: o diretor André Øvredal (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro) descreve este filme como Alien – O Oitavo Passageiro (1979) com o personagem de Drácula no lugar do alien, e o vampiro visto aqui está longe de ser aquela figura elegante e sedutora cimentada no imaginário popular.
Projeto que ficou 20 anos em desenvolvimento, A Última Viagem do Deméter se baseia em um único capítulo do livro Drácula (1897), de Bram Stoker, um capítulo de 10 páginas no qual acompanhamos o diário de bordo do capitão do barco Deméter, que transporta – sem saber – um caixão com a presença de Conde Drácula da Bulgária para Londres. Pouco a pouco, os tripulantes desaparecem, enquanto presenciam os estranhos acontecimentos que ocorrem a bordo da embarcação. A passagem do livro é expandida no roteiro de Bragi F. Schut e Zak Olkewicz, que adiciona personagens como o protagonista Clemens (Corey Hawkins), aqui o primeiro médico negro formado – algo impensável em 1897. No início do filme acompanhamos autoridades encontrando o barco destruído e sem tripulação na costa, o único vestígio sendo o diário do capitão Eliot (Liam Cunningham). O que se vê no resto do filme se passa quatro semanas antes.
Saber o destino dos personagens não é necessariamente algo negativo para um filme – pode ter muita coisa interessante no “como” as coisas caminharam para esse destino. Se bem construídas, as personalidades e as relações entre personagens podem inclusive adicionar mais uma camada de tensão ou pesar para o inevitável e derradeiro final. No entanto, não se pode dizer que se cria muito apego com as figuras vistas aqui, o que pode ser preocupante quando existe até mesmo uma criança abordo, Toby (Woody Norman), o filho do capitão. Enquanto alguns temas são pincelados num diálogo mal articulado e outro, como a questão de racismo representada na presença de Clemens e a questão de misoginia representada pela descoberta da “tripulante escondida” Anna (Aisling Franciosi), a maioria dos tripulantes são unidimensionais, talvez por consciência demais do roteiro de que eles são meras desculpas para sequências de mortes e suspense.
E são justamente essas sequências que parecem despertar o maior interesse em Øvredal. Quando Drácula está em cena, temos sequências isoladas de terror que se beneficiam do uso de sombras e atmosfera, potencializadas pela fotografia de Roman Osin Tom Stern. Sob as lentes dos dois e a direção de Øvredal, o rei das trevas ganha uma presença arrepiante e palpável. Sua caracterização, inclusive, é um dos melhores elementos do filme. Menos humano e mais bestial, o Drácula visto aqui pouco lembra o “conde” de outras adaptações. Trazido à vida através de uma mistura eficaz de maquiagem em efeitos práticos e computação gráfica, o vampiro – interpretado pelo sempre impressionante Javier Botet – parece uma mistura do personagem-título de “Nosferatu” (1922) e o Mr. Barlow da minissérie “Os Vampiros de Salem” (1979), sendo retratado aqui como uma criatura animalesca e sedenta por sangue, sem muita racionalidade em seus atos.
Existe, no entanto, um choque de intenções: se as sequências com o vampiro são as mais inspiradas e estilosas do longa, elas carecem de tensão, uma vez que a estrutura repetitiva dos ataques noturnos premedita o destino dos personagens, quase todos coadjuvantes mal desenvolvidos com os quais não nos importamos, num filme que possui boas qualidades técnicas e artísticas, como uma boa recriação de época no competente design de produção, mas um roteiro previsível que tira muito do fôlego impresso pela mão de Øvredal, que consegue compensar muito da precariedade do roteiro meio que na marra, com a atmosfera que imprime em sequências-chave. Os bons exercícios de terror que o diretor cria, no entanto, nem sempre são o suficiente para causar um envolvimento maior, tanto emocional quanto o da trama, falta de envolvimento que impede Drácula – A Última Viagem do Deméter de se tornar realmente excepcional.
A inclusão de um prólogo que sugere um gancho para uma possível continuação é desnecessária, parecendo menos uma inclusão orgânica por parte dos roteiristas e, por causa de um passado de cenas do tipo, mais uma exigência de um estúdio preocupado com criar franquias, ainda sem muita ideia do que fazer com seu universo de monstros.