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Crítica: Oppenheimer

Oppenheimer:
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Kai Bird, Martin Shwerwin, Christopher Nolan
Elenco: Cillian Murphy, Emily Blunt, Matt Damon, Robert Downey Jr, Florence Pugh, Alden Ehrenreich.
Sinopse: J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) é um físico teórico da Universidade da Califórnia e diretor do Laboratório de Los Alamos. Ele e outros cientistas trabalham no desenvolvimento das bombas atômicas que foram lançadas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945.

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É um contexto interessante o lançamento de Oppenheimer, novo filme do diretor Christopher Nolan, que como sabemos, carrega alguns fãs por onde passa e monopoliza as salas IMAX nos Estados Unidos. Lançado junto a Barbie, outro fenômeno, Oppenheimer chegou aos cinemas com arrecadação menor, mas muito acima do esperado. Christopher Nolan que assina o roteiro, conseguiu produzir um filme que elabora melhor suas angústias e tragédias, do que simplesmente narrar acontecimentos, algo inédito na sua carreira. Nolan é famosinho entre os cinéfilos, por construir histórias as vezes inventivas, mas com verniz de complicação, como se fosse um quebra cabeça de peças difíceis de serem montadas, mas na verdade não são, ele apenas toma caminhos mais longos para chegar aonde sempre quis.

Baseado no livro biográfico ‘Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano’ (ed. Intrínseca), o filme é a representação sobre a vida e obra de J. Robert Oppenheimer, mais conhecido como o pai da bomba atômica, apesar dele e outros tantos terem produzido esse projeto. A biopic de Nolan tenta dar conta dos principais acontecimentos ao longo da vida de Oppie, como era chamado. De recortes no momento acadêmico de glória, à organização do projeto que daria vida a grande bomba que dizimaria milhares anos mais tarde, até a perseguição do governo em torno de sua vida pós segunda guerra e início da guerra fria, em que Oppie seria acusado de ser comunista por seu passado de ligação frágil com o partido comunista. Ou seja, em 3h de duração, Nolan tentou conciliar tudo isso, acertou em partes, falhou em outras.

No papel de Oppenheimer, Cillian Murphy dá vida a esse personagem complexo, contraditório em suas percepções, mas academicamente brilhante. Cillian tem um olhar magnético que sem dizer o que sente, consegue transmitir angústia e apreensão sobre o investimento pesado que estava entrando e toda a responsabilidade. Nolan consegue captar bem tudo que Cillian tem a oferecer, e como há tempo, ele é investido em close-ups ou ‘delírios visuais’ para mostrar a urgência dos acontecimentos. Como coadjuvantes há Matt Damon, como general Leslie Groves que recruta Oppie para o projeto e, na última hora, o personagem de Robert Downey Jr., o congressista Lewis Strauss, responsável pela campanha difamatória anticomunista em cima de Oppenheimer, protagonizará grandes momentos catárticos de debate, traição e contradição, uma guerra fria em micro escalada entre os dois.

As demais personagens são pequenas aparições representando pessoas importantes naquele período histórico, e o elenco de estrelas é grande. Porém, é necessário destacar a aparição das duas únicas mulheres da trama, que orbitam de forma significativa ao protagonista. Começando pela atuação de Florence Pugh que no pouco tempo que aparece em tela é magnética, algo já provado em outros trabalhos da atriz, mas aqui, parece potencial desperdiçado. Não por ela, mas por Nolan não saber trabalhar suas personagens femininas. Nolan trata as mulheres como personagens descartáveis, sendo que não há nada de descartável na história delas, mas ficam reservadas a arquétipos clássicos, o interesse amoroso/sexual ou a dona de casa que cuidará da família, geralmente sem desejo.

Pugh interpreta Jean Tatlock, interesse amoroso de Oppie, e responsável por trazê-lo para próximo do partido comunista americano, traço importante na personalidade do protagonista. Nolan resolve tratá-la apenas como interesse amoroso e, ao colocá-la nua em cenas de sexo, acrescenta narrativamente a intimidade que ela e Oppie compartilhavam, mas é tão frio e procedural que é, mais uma vez, potencial desperdiçado, sem contar o abandono das capacidades intelectuais de Jean colocadas na periferia de sua personalidade. O mesmo acontece com a personagem da Emily Blunt, que faz o papel da esposa de Oppie, Kitty Oppenheimer, que tão breve se apaixonam, é colocada como dona de casa alcoólatra com um passado no comunismo. Pelo menos, ao contrário de Jean, o roteiro é menos ordinário com Kitty e dá a ela um monólogo relativamente satisfatório ao depoimento que ela presta na comissão fajuta que perseguia seu marido. E nesse ponto, fica claro a dificuldade de Chris Nolan trabalhar com qualquer traço emocional ao longo de todo filme, as emoções ficarão soltas e abandonadas.

A ação de Oppenheimer está nos personagens. É um thriller político de ascensão, queda e leve redenção. Com atos bem divididos, Nolan consegue fazer seu filme mais sóbrio quando o assunto é lidar com o tempo. Não é cronológico e não se ocupa em fazer marcações claras na passagem do relógio histórico. São eventos marcantes da história que são representados de forma organizada, mesmo que ele tenha idas e voltas, acompanhados de acordo com o depoimento de Oppie à comissão. E essa organização de dezenas de fatos históricos bem colocados é mérito da edição, feita por Jennifer Lame, que não deixa confuso a orientação temporal dos fatos e dá ritmo num filme que é texto atrás de texto. Em alguns momentos, inserts de explosão ou ‘fissuras nucleares’ apareciam em tela para exemplificar o impacto da discussão. E aqui é um avanço do roteiro e direção de Nolan, ele exemplifica, não explica, contribuindo para o andamento natural da história.

A parte do teste nuclear, o projeto Trinity, é o ponto alto dos aspectos técnicos. Fotografia, design de som e trilha sonora se unem para trazer catarse à tela. Hoyte van Hoytema responsável pela fotografia e mestre em filmar em IMAX, faz escolhas visuais belíssimas para representar o caos, a tensão e os impactos na vida dos envolvidos no projeto, alterando de cores sempre acinzentadas para o preto e branco. A trilha sonora de Ludwig Göransson, vencedor do Oscar pela trilha de ‘Pantera Negra’, através de violinos estridentes, consegue puxar a mão do espectador e colocá-lo dentro do bunker de observação do primeiro teste nuclear da história e que mudaria a vida política do planeta dali em diante. Me parece difícil encontrar apontamentos sobre a tecnicidade de Nolan na produção de seus filmes, pois não há nada de grave. Seus erros comuns são no roteiro, em que ele precisa se desapegar das planilhas de excel e dirigir alguma emoção nas páginas.

O desafio em Oppenheimer é grande, pois se vê colocado num forte debate moral que não apresenta resultados conclusivos como uma conta matemática, e terá que fazer renúncias morais e emocionais, e nesse ponto, Nolan se perde. Apesar de mostrar relativamente bem a paranoia norte-americana com o comunismo – que passados mais de 70 anos, ainda resiste – ele não consegue elaborar fato e sentimento. Sorte a escalação de Cillian Murphy que imprimi emoção, mas o diretor não sabe o que fazer com isso, é solto, abandonado facilmente, e se escora em ‘fantasias visuais’ para demonstrar o sentir, mas não acolhe a emoção. Isso acontece também em torna da atuação do personagem de Downey Jr. No momento que é ‘desmascarado’, a atuação é sublime e espalhafatosamente contida, mas Nolan não sabe acolher por completo a catarse que ele mesmo criou.

Nolan tenta isentar Oppenheimer da sua responsabilidade total, colocando nas mãos do presidente da ocasião, Harry Truman, numa breve participação de Gary Oldman, a decisão de soltar a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, que importante destacar, não são mostradas no filme, feliz escolha do diretor. Talvez Oppie não dimensionasse o caos que isso traria para o mundo, e ele tenta trazer luz ao debate do controle das armas nucleares no pós-guerra, mas é massacrado por aqueles que o alçaram a herói anos antes, e abandonado por outros que estiveram com ele no processo de personificação da morte coletiva humana. Tudo isso passa por um debate moral e político de lados acinzentados, se tornando impossível contemplar todos os interesses, sendo necessário se posicionar sem grandes aberturas. E felizmente, diferente de seus outros filmes, Nolan se posiciona ao lado da tristeza e melancolia de seu personagem principal. Não existe final feliz para essa história. É uma história essencialmente triste, pela dimensão de estragos que ela provocou e que suas consequências ainda podem provocar. A história do mundo caminha junto com o melhor que é possível criar, mas nunca sem mal-estar, como dizia Freud. Apesar da tentativa de ter louros e glórias por sua descoberta, Oppenheimer é um dos singelos casos que sua história ficará à mercê da discussão moral enquanto a humanidade existir. A frase que supostamente disse ao presidente Truman, de que suas mãos estariam sujas de sangue, dá pistas sobre seu real sentimento frente a sua criação. Pistas não são certezas, certezas que nem Nolan se arrisca a dar. Resta a ele fazer apontamentos, se posicionar sobre alguns fatos, e deixar a história caminhar por conta própria e decidir o que fazer com suas consequências sabiamente imprevisíveis.

  • Nota
3.5

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