Crítica: A Noite do Dia 12 - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
3 Claquetes

Crítica: A Noite do Dia 12

A Noite do Dia 12 – Ficha Técnica:
Direção: Dominik Moll
Roteiro: Dominik Moll, Gilles Marchand
Elenco: Bastien Bouillon, Bouli Lanners, Anouk Grinberg, Pauline Serieys, Lula Cotton-Frapier
Sinopse: Diz-se que todo investigador tem um crime que o persegue, um caso que o machuca mais do que os outros, sem que ele necessariamente saiba o porquê. Para Yohan, esse caso é o assassinato de Clara.

.

Em determinado momento do francês A Noite do Dia 12 (La Nuit du 12), é dito que “todo policial é assombrado por um crime”. Não por acaso, uma imagem que se repete neste filme é a do protagonista, o chefe de polícia recém instaurado Yohan Vivés (Bastien Bouillon), andando em círculos com sua bicicleta num velódromo – enquanto “anda em círculos”, também, no caso de assassinato pelo qual é responsável por investigar. Não é uma imagem exatamente sutil – sendo até mesmo mencionada por um personagem na trama, mas que encapsula bem a atmosfera de frustração e impotência que A Noite do Dia 12 impõe. As voltas circulares que Yohan dá aqui, porém, não representam apenas as frustrações dos procedimentos investigativos, mas o próprio ciclo de misoginia que se repete ao longo de toda a obra.

O crime em questão é o assassinato de Clara (Lula Cotton-Frapier), garota de 21 anos que foi queimada viva quando voltava da casa de uma amiga na noite do título. O que se dá no resto da projeção é uma busca pelo responsável repleta de interrogatórios, num longa que se insinua ao começo como um mistério “who-dunnit” ao costume de filmes policiais do tipo, mas que eventualmente se revela como um drama social, examinando o machismo e misoginia enraizados na sociedade em diversas camadas.  O filme foi vencedor de 6 prêmios César (o Oscar francês), incluindo Melhor Filme.

Se Yohan dando voltas em círculo com sua bicicleta ajuda a representar a sensação de frustração, talvez a imagem que melhor sintetize o tema deste filme é o inspirado close up no rosto do protagonista, enquanto planos de rostos dos suspeitos – todos homens – se sobrepõem, de forma com que aqueles indivíduos se tornem a mesma pessoa no quadro. O ótimo momento da direção de Dominik Moll (que também escreve o filme ao lado de Gilles Marchand, a partir do livro de Pauline Guéna) sintetiza o tema, mas A Noite do Dia 12 articula estes temas retratando um universo povoado por homens que fazem comentários e julgamentos cruéis acerca de Clara, desde aqueles que investigam o caso até os possíveis suspeitos do crime. Yohan desaprova os comentários dos outros policiais, que, diante da informação de que a garota possuía uma vida sexual ativa e desprendida de compromissos, prontamente a culpabilizam, como se uma possível promiscuidade sexual fosse motivo para ser assassinada. Todos os suspeitos se envolveram sexualmente com Clara. Um deles havia feito uma música de ódio direcionada a garota antes dela morrer; outro dá risada no meio do interrogatório; quando o terceiro faz comentários machistas em relação a ela temos um padrão.

Esses padrões crescem através da direção de Moll, que ambienta muitas cenas sob um céu nublado, cimentando a atmosfera de desesperança e impotência, ao passo que a trilha sonora orquestrada por Oliver Marguerit busca por acordes repetitivos. O comentário que A Noite do Dia 12 propõe recebe novas camadas quando conhecemos um suspeito que é violento, já foi preso por agressão e que se encontra num relacionamento abusivo contra uma pobre mulher. O silêncio dela em relação aos álibis do sujeito evidencia o tipo de comportamento de uma mulher presa num relacionamento tóxico, e o filme é eficaz em trazer a misoginia de formas que não sejam apenas verbais. A eventual presença de uma mulher na equipe de investigação serve para trazer o texto à frente. “Não é estranho que homens cometem os crimes e são os homens que tentam solucioná-los?”, ela questiona.

Comentários e situações do tipo se empilham sem cair muito na verborragia, num filme que está mais preocupado em trazer à frente os registros dessa misoginia enraizada do que solucionar o crime ao estilo de thrillers policiais semelhantes. Nesse sentido, o filme toma um caminho parecido com o genial Zodíaco (2007), ainda que A Noite do Dia 12 não se equipare em qualidade com a obra sobre obsessão orquestrada por Fincher. Há uma sensação de luto e pessimismo que permeia toda a duração de A Noite do Dia 12. Como sugerido no excelente momento da sobreposição de planos, é como se todos aqueles homens tivessem matado aquela garota. É um filme que utiliza espertamente a frustração investigativa de um caso isolado para explicitar a frustração de um mal enraizado, de alguma forma resumido tão bem na frase proferida pelo protagonista: “há algo errado entre homens e mulheres”.

  • Nota
3

Deixe seu comentário