O envelhecimento do herói em “Indiana Jones e a Relíquia do Destino”
“Indiana Jones e a Relíquia do Destino” é um filme divertido, carismático e convidativo. A aposta em um tom nostálgico é satisfatória para conduzir a narrativa, mas insuficiente para dar ao arqueólogo mais famoso do cinema um encerramento conclusivo. Ainda que resgate toda a aventura despretensiosa da trilogia principal, o quinto e aparente último capítulo, falha em assumir para o personagem principal que ele precisa descansar e que heróis também envelhecem.
40 anos de Indiana e o capítulo final?
Indiana Jones é uma franquia de sucesso absoluto entre aqueles que estudam o cinema como arte, e entre aqueles que conhecem o cinema e gostam de um bom filme eventualmente no cinema. O primeiro filme lançado em 1981, “Caçadores da Arca Perdida”, foi um divisor de águas no cinema de aventura. Nomes de peso estavam por trás desse grande feito cinematográfico. George Lucas, responsável pela inigualável franquia galáctica “Star Wars”, em 1977. Steven Spielberg também já tinha nos presenteado com o glorioso “Tubarão” em 1975. Harrison Ford estrelava a saga das estrelas e havia se consolidado como galã. É quase óbvio se perguntar o que poderia dar errado, e felizmente a resposta é nada, pelo menos não nos anos 1980.
Harrison Ford é a estrela principal na saga do arqueólogo que embarca por grandes aventuras mundo a fora no período da segunda guerra mundial. Sua principal função, é recuperar artefatos históricos de vilões megalomaníacos, geralmente nazistas, e eventualmente, para nossa alegria, ele terá que socar esses nazistas – o que nunca é demais, tanto que ainda em 2023, isso precisa ser repetido. Isso acontece em três dos cinco filmes da franquia. Na trilogia principal nos anos 80, o segundo filme, “Templo da Perdição” de 1984, foge dessa estrutura e investiga uma seita macabra com rituais humanos e escravização infantil. No quarto filme “Reino da Caveira de Cristal”, já em 2008, que há quem argumente ser um dos piores filmes da franquia – discordo veementemente – a luta é contra os russos nos anos 50 e o assunto se desenrola com extraterrestes.
Para resumir essa longa introdução, que me parece ser necessária, cabe destaque ao terceiro, “A última Cruzada” de 1989, que compete em qualidade e felicidade com o a arca perdida. O destaque fica com o mestre Sean Connery como pai do Indy, que além das cenas hilárias, temos um arcabouço emocional da relação afetiva entre pai e filho, e um pouco da história pregressa do Indiana. Agora, em 2023 com “Relíquia do Destino”, vemos o fim que se aproxima, e por incrível que pareça, não é um fim dramático, mas um fim carinhoso, que olha para si mesmo apesar das próprias resistências em assumir isso. Mesmo assim, é um olhar conhecedor das limitações e carismático o bastante para nos convencer a embarcar na última jornada.
A argumentação teria de ser longa, ainda que insuficiente, para dizer que esse encerramento subiria no pódio dos 3 melhores, pois superar a trilogia principal é da ordem do impossível. Além de Harrison Ford como Indiana, temos o retorno de John Rhys-Davies como Sallah, fiel escudeiro de Indy e uma participação especial ao final, que faz referência a arca perdida – cena que foi o motivo das minhas lágrimas. Porém, o retorno de figuras icônicas no elenco, não compensa a ausência do maior responsável pelo sucesso da franquia. Spielberg não retorna à direção, que dessa vez ficou com James Mangold, responsável pelo icônico “Logan” e pelo não muito inspirado “Ford vs Ferrari”. A direção de Mangold não é ruim e está longe disso, mas assim como Sam Raimi está para “Evil Dead”, Steven Spielberg está para Indiana Jones.
Os substitutos não são ruins, mas se fosse Spielberg em “Relíquia do Destino” e Sam Raimi em “Evil Dead Rise”, por exemplo, é quase certeza que o resultado seria melhor, seja pela fluidez da câmera, a blocagem das cenas, a edição e o ritmo da narrativa. Ambos os diretores dão dinamismo a roteiros pouco refinados, e sempre estarão com alguma carta na manga para nos salvar de momentos constrangedores. De todo modo, pedir que Mangold seja Spielberg é impossível, e só nos resta contentar com esse fato imutável que nem mesmo a relíquia do tempo pode mudar.
O tempo passa, até para os heróis.
Imaginar outras possibilidades no tempo sempre está no imaginário, e Indiana 5 utiliza dessa imaginação para dar o tom da história. O vilão interpretado por Mads Mikkelsen, é um cientista nazista recrutado pelos Estados Unidos após o fim da segunda guerra mundial para ajudar os estadunidenses a chegarem à lua. Porém, os ideais nazistas nunca saíram desse sujeito e ele consegue recrutar outros norte americanos para fazer parte de seu plano, voltar no tempo através do artefato e fazer com que a Alemanha ganhe a segunda guerra. Curiosamente, esse ponto da trama é muito bem trabalhado pelo roteiro, inclusive ao apontar com tom crítico a hipocrisia e conveniência norte americana em se aliar com nazistas a depender dos interesses, com aconteceu na década de 1960 e vez ou outra ainda acontece.
Na cena de abertura, Indiana tenta escapar dos nazistas, numa cena clássica, muito bem montada e com belo investimento no CGI para o rejuvenescimento facial em Harrison Ford e em Mads Mikkelsen – no início gera estranhamento, mas por ser uma cena longa rapidamente nos acostumamos. Após essa cena inicial, um corte seco proposital nos leva ao ano de 1969, com Indy sentado numa poltrona de cueca, cansado, envelhecido, deprimido e pronto para se aposentar. E nesse momento, o filme elege como subtrama o passar do tempo e a insistência em ficar preso num tempo que outrora foi melhor, a depender de quem olha.
O filme não assume descaradamente o envelhecimento do herói, com exceção da cena de abertura, pequenas piadas em alguns momentos, e no terço final que a questão é retomada num tom agridoce. O ritmo do filme, apesar de relativamente ágil, é sabotado por um roteiro insosso, que eventualmente aponta críticas e cria momentos inspirados, mas falha no relacionamento do personagem consigo mesmo. Indiana parece não saber que está envelhecido, mas em alguns momentos, ele questiona se determinadas aventuras fariam bem à sua integridade, mas quem faz esse investimento no personagem é o ator, e não um pedido do personagem ao ator.
Indiana Jones envelheceu, são 42 anos desde o lançamento do primeiro filme, Harrison Ford está com 80 anos, fazer um filme de aventura requer sacrifícios técnicos necessários e pedir mais agilidade seria impossível. Mesmo com o uso de dublês em muitas cenas, não dá para escapar da fragilidade física do próprio Harrison Ford. Com exceção de Phoebe Waller-Bridge que divide o tempo de tela e protagonismo com Ford, Boyd Holbrook e o adolescente Ethann Isidore, o resto do elenco é composto por atores com mais de 50 anos. O filme incorpora a idade e a velhice em pequenas conversas e até em pequenos acessórios, como o personagem do Antonio Banderas que usa uma bengala e tem aspecto envelhecido, mas só. Todo mundo sabe que envelheceu e esse é o fim, menos Indiana.
Outro ponto que reforça essa ideia de envelhecimento é a trilha sonora do maestro Jonh Willians, que mais uma vez está perfeita. É perceptível mudanças nos acordes e diferenças no ritmo da música, as notas são mais longas e o tempo é mais lento. Fica a impressão de que todos sabiam, inclusive a equipe técnica, que seria a despedida, só esqueceram de combinar com o próprio Indiana. Parece ter faltado sagacidade em unir peças de um mosaico histórico que pouco desenvolveu a personalidade de sua figura principal, e que resultou em apontamentos para direções opostas, hora para o passado, hora para o presente, jamais para o futuro.
Ainda que a cena final seja muito afetuosa e o fechamento seja fragilmente conclusivo, a cena que antecede o retorno para casa, gera uma reflexão curiosa sobre ficar preso num passado tentador, porém, seu fim abrupto e nada sensível não dá escolha para Indiana, então, arbitrariamente “decidem” por ele. Ou seja, o filme não conseguiu se relacionar com seu personagem de forma orgânica. Indiana segue em mais uma aventura que tudo diz e aponta para um fim, mas é alheio a todos esses indicativos. A falta de consciência do personagem para com sua aposentadoria, desperdiçou a possibilidade de gerar emoção pela despedida e, todo o peso dramático da separação e a morte do filho na guerra é abandonado e facilmente resolvido, restando apelar para a nostalgia, que é emocionante, mas sem peso.
Indiana Jones é uma franquia de sucesso comercial e de público, tem seu registro na cultura cinematográfica, e é um ícone no imaginário de muitas pessoas de diferentes gerações, e apesar de alguns deslizes, o quinto capítulo ainda é uma excelente diversão e muito recompensador aos fãs da franquia. Porém, uma despedida mais carinhosa faria bem ao personagem, mas a falta de coragem em assumir o envelhecimento do seu herói, e a dúvida de como seguir com uma história altamente lucrativa, fizeram de “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” um filme morno, ancorado em referências que emocionam, mas pouco inspirado para trabalhar com ideias novas, mesmo que o novo, fosse assumir o velho.