Critica: Black Mirror - Temporada 6
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Critica: Black Mirror – Temporada 6

Ficha técnica – Black Mirror Temporada 6:
Criação: Charlie Brooker
Elenco: Annie murphy, Salma Hayek, Samuel Blenkin, Myha’la Herrold, Aaron Paul, Josh Hartnett, Zazie Beetz, Anjana Vasan.
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2023 (15 de junho de 2023)
Sinopse: Uma série de antologias explora um mundo de alta tecnologia, onde as maiores inovações da humanidade e os instintos mais sombrios colidem.

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Depois de quatro anos e uma última temporada bastante morna e pouco convidativa, Black Mirror retornou ao catálogo da Netflix para sua sexta temporada, com 5 novos episódios que felizmente são melhores, mas estão longe de ter o apelo e gancho das primeiras temporadas. Charlie Brooker é roteirista de todos os episódios novamente, e apesar de não ter tantas grandiosidades tecnológicas, a critica agora se volta à espetacularização do gênero true crime que ganhou adeptos e fãs – o que particularmente é estranho –, e facilidade humana para a autodestruição. Brooker é feliz em tratar dessas questões de maneira mais cômica, aposta no explicitamente irônico já que os tempos parecem pedir mais explicação e talvez, em algum lugar, um pouco mais agridoce que as temporadas anteriores.

Tecnicamente a série continua excelente. Existe um grau de apuro estético que favorece muito a imersão no mundo que a série propõe, inclusive esse é um mérito que retorna nessa temporada. Os episódios são mais convidativos, e diferente daquela experiência estranha do filme interativo, as próprias histórias são escritas a ponto de nos convocarem a participar e imergir nos mundos melancólicos e depreciativos que a tecnologia impõe. Para funcionar bem, Black Mirror depende de uma boa imersão do espectador na narrativa e no mundo que está sendo exibido, sem isso, a conexão escapa.

Cada episódio de Black Mirror rende análises próprias e é possível destrinchar detalhe por detalhe, seus simbolismos e mensagens. Por ser uma antologia, não existe conexão direta entre os episódios, e as histórias precisam ter início, meio e fim. De maneira geral, não há grandes erros na execução dessas histórias fechadas em si mesmas. Apenas dois episódios se saem mal nesse fechamento, e o que poderia funcionar como um grande plot twist pareceu um fim apressado e sem refino, e a atenção pela surpresa, se transforma em desconexão.

Isso está presente em dois episódios, ‘Joan is Awful’ e ‘Mazey Day’, que apesar de terem finais muito distintos, e se passarem em épocas temporais diferentes, seus encerramentos dependem de facilitações narrativas evidentes, ou seja, o que estava seguindo o fluxo normal da história, de repente, a gosto do roteirista, cria-se resoluções urgentes sem se preocupar com a lógica interna do próprio episódio. O interessante é que esses episódios debatem de maneira sagaz, pelo menos até certo ponto, a falta privacidade e os excessos da necessidade em saber do outro, mesmo que para isso algumas empresas lucrem com a destruição de imagem, violação de direitos e no final reste apenas a morte objetiva ou a morte da liberdade.

Porém, os outros três episódios têm desempenho melhor. ‘Loch Henry’ explora o horror e o terror das histórias de crimes reais, aposta numa atmosfera sombria e dá um tom quase satírico, embora toda a história apresente excelente coesão com a realidade. No fim, histórias e sujeitos envolvidos se tornam escadas para o espetáculo.

 ‘Beyond the Sea’ segue um caminho diferente e é o episódio mais longo dessa temporada. Clones robóticos, luto, amor e espaço sideral se misturam para contar o avanço tecnológico e questionar sobre o que é a vida, os limites da consciência, e como atravessamentos conspiratórios se misturam com o fascínio. Aaron Paul é a estrela desse episódio, vale a pena assistir apenas por ele.

Já em ‘Demônio 79’, acompanhamos Nida, uma garota indiana que vive na Inglaterra e é alvo constante de racismo e xenofobia, e se vê impelida a cumprir ordens de um demônio que será seu guia em assassinatos obrigatórios para evitar a destruição do mundo por bombas nucleares no auge da guerra fria. Esse é o episódio mais divertido e sarcástico de toda a temporada, seja pela fantasia assumidamente farsesca, seja pelo simbolismo da crueldade em favor de alguma salvação.

Não dá para esperar final feliz de Black Mirror, se isso aconteceu alguma vez, foi apenas no fantástico episódio ‘San Jupeniro’ da terceira temporada, e mesmo assim não foi um final feliz naquela realidade, mas numa realidade tecnológica. Nessa temporada, essa mesma sina se mantém não na intensidade e criatividade de temporadas anteriores, e não imagino que seja pela falta de esforço dos realizadores. As inovações tecnológicas propostas pela série – sempre a um pequeno passo da nossa realidade –, talvez já não sejam tão inovadoras pois os desdobramentos humanos com a tecnologia nessa última década tenham sido mais assustadores que a ficção proposta por Black Mirror.

Black Mirror teve sua primeira temporada em 2011, de lá pra cá a tecnologia evoluiu muito e há dúvidas se foi ela que nos deixou mais violentos, e esse parece ser o grande mérito dessa temporada, imaginar ou reproduzir cenários que independente de grandes tecnologias a nossa capacidade para a autodestruição beira o infinito. Charlie Brooker apostou em um futuro menos tecnológico, mais cruel, e escancarou nossa capacidade voyeurista de assistir pequenas grandes violências com doses de humor e perversidade mesmo que o destino seja a destruição.

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