Crítica: Strange Way of Life - Festival de Cannes 2023
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Crítica: Strange Way of Life – Festival de Cannes 2023

Strange Way of Life (curta) – Ficha técnica:
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Nacionalidade e Lançamento: Espanha, 2023 (Festival de Cannes 2023)
Sinopse: Após 25 anos, Silva cruza o deserto com seu cavalo para visitar seu amigo, o xerife Jake. Eles celebram o encontro, mas no dia seguinte Jake confessa que a viagem não tem o objetivo de revisitar a amizade dos dois.
Elenco: Pedro Pascal, Ethan Hawke, Manu Rios.

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Não faz muito tempo desde que escrevi sobre os novos olhares que estão transformando o Western no cinema moderno. Meu ensaio para a terceira edição da Revista Singular ano passado foi uma grande divagação sobre o revisionismo que o gênero vem passando e a minha relação com o faroeste, antes pautada em um pré-conceito muito forte, diante do qual eu enxergava o gênero sob uma ótica generalizante, como algo machista e estereotipado.

Digamos que filmes de faroeste para mim, até 2021, nunca foram minha primeira, nem a minha segunda opção. Ficavam escondidos, bem no final da minha lista – até eu conhecer o cinema de John Ford e Sergio Leone. Comecei de trás pra frente, pelo cinema europeu primeiro, com Três Homens em Conflito e a trilha sonora inconfundível de Ennio Morricone. Depois, me encantei com o western clássico estadunidense, com Como Era Verde o Meu Vale. Quanto mais conhecia o gênero, mais impressionada ficava.

No entanto, muitos aspectos narrativos, por mais que eu evitasse ao máximo carregar meu olhar de anacronismos, ainda me incomodavam. Personagens femininas continuavam estereotipadas, por exemplo, e os cowboys continuavam correspondendo a uma imagem masculina que era cercada de machismo e misoginia. O tempo inteiro. Foi só quando eu conheci o cinema de faroeste de Kelly Reichardt com First Cow, de Chloe Zhao com The Rider e Jane Campion com The Power of the Dog, que eu consegui entender o que tanto faltava ali que não me dava uma sensação mais agradável e menos agridoce: um olhar feminino.

Imagino que seja assim para todas as minorias e penso que seja desse exato sentimento que Almodóvar sentiu a necessidade de fazer um curta como Strange Way of Life. Em trinta minutos, o romance de Ethan Hawke e Pedro Pascal mostra toda uma sensualidade típica de filmes mais clássicos do cinema, com vislumbres e referências ao cinema noir – sobre o que se deixa subentendido, um nu que mal podemos ver – porém cercada desse tom teatral, das cores vibrantes e da fotografia crua, traços que fazem parte da assinatura do diretor espanhol.

Por mais que muitas comparações com Brokeback Mountain tenham surgido desde a primeira notícia sobre o curta, digo com certa segurança que Strange Way of Life dialoga bem mais com os faroestes clássicos e os filmes anteriores de Almodóvar, como Dolor y Glória, que com o filme do Ang Lee. A não ser pela mesma premissa, a forma como o diretor aborda a temática queer é bastante diferente de Lee e é, de fato, um espetáculo visual que provoca emoções que vão do amor ao ódio, da paixão ao medo, em trinta minutos.

Referenciando filmes como Três Homens em Conflito, de Sergio Leone na cena final e Rastros de Ódio, de John Ford, com a clássica cena da porta, Almodóvar garante uma homenagem aos westerns que vieram antes dele, mas deixa uma espécie de recado  sobre o futuro do gênero ao não esconder sua personalidade e estilo em cada detalhe, ambos responsáveis por deixarem uma marca inconfundível em quem assiste – e um gosto agridoce de quero mais.

O faroeste só entrou em baixa no cinema moderno pois, por muito tempo, o revisionismo do gênero era algo impensável. Não “se mexia” com o faroeste, tudo que foi feito por John Ford, Nicholas Ray, Leone e Morricone foi posto em um local quase imaculado. A impressão que se tinha era que atualizar o gênero, impondo a este narrativas e temas caros à sociedade moderna e, consequentemente, agregando ao gênero uma representatividade nunca antes vista, era algo incompatível e, para muitos, até desrespeitoso. Não faz muito tempo desde que Jane Campion sofreu comentários negativos por The Power of The Dog, por exemplo.

O que Almodóvar faz, assim como Campion e outras diretoras que citei no início, em seus filmes, é parte importante do que torna o novo Western interessante, empolgante, excitante. Não rejeita os grandes nomes que fizeram parte do gênero, mas escreve uma nova história por meio dos olhares que foram ignorados e passaram despercebidos em sua origem, dado o contexto de uma sociedade completamente diferente. É uma atualização que impede que o faroeste seja esquecido, ou abandonado. É parte crucial do que faz o cinema também: escrever o novo, para lembrar do passado.

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