O sexo nas telas e por que ele importa
Recentemente o ator Penn Badgley disse que pediu à criadora da série You para diminuir suas cenas de sexo dentro da série. E mais uma vez a questão do uso das cenas de sexo em Hollywood voltou a ficar em alta nas redes sociais.
Nos últimos tempos, volta e meia surge a questão sobre o uso de cenas de cunho sexual nos filmes e séries. Algumas pessoas defendem que cenas desse tipo criam desconforto, outras dizem que se cortamos esse tipo de cena retornamos a época da censura.
Existem muitas questões a serem exploradas quando falamos sobre sexo no cinema. E honestamente daria para escrever vários grandes artigos sobre o tema, principalmente por ser algo com diversas nuances.
Já falei muitas vezes, em diversos lugares, como me incomoda a excessiva objetificação dos corpos femininos. E sabemos que a maneira como nossos corpos acabam sendo retratados, em geral cai pra esse lado, já que a estrutura social costuma objetivar os nossos corpos desde sempre. Então a primeira coisa que deveria ser alterada é a nossa forma de mostrar corpos na tela. Primeiro modificar o nosso olhar, não necessariamente retirar a nudez, nem o sexo. E assim… a nudez é natural, todos nós nascemos sem roupa. Nem toda nudez é sexual, isso também precisa sempre ser lembrado.
E ok, estavam falando sobre cenas de sexo, não de nudez. Só que para muitas pessoas uma coisa está automaticamente ligada a outra. Cenas de nudez também incomodam pela associação da nudez com o sexo. E aí eu pergunto: por que automaticamente ligar nudez ao sexo? E por que tanto incômodo com relações sexuais?
Muitas pesoas argumentam que cenas de sexo não ajudam a desenvolver a história. E aí temos pontos importantes para pensar. Nem toda cena de um filme ou de uma série é óbvia e possui função óbvia. Algumas estão em um roteiro para desenvolver subtexto do personagem. E por mais que não seja o que algumas pessoas gostariam de ler, a verdade é que uma cena de sexo pode sim construir camadas de um personagem e ajudar o público a entender essa pessoa. Ou seja, a cena de sexo pode sim ajudar no desenvolvimento do personagem na tela.
A forma como nos relacionamos intimamente com alguém pode dizer muito sobre quem somos. Então existem cenas de sexo que vão detalhar gostos e motivações dos personagens.
A inserção de uma cena de cunho sexual dentro de um filme pode também trazer liberação de tensão para o personagem e também para o público, sendo algo praticamente catártico. E quando se constrói muita tensão e a única coisa que é mostrada na tela são duas pessoas na cama, dando a entender que elas fizeram sexo, mas sem o público chegar a ver nada da ação, muitas vezes pode se gerar mais tensão no público e até mesmo frustração.
Outro ponto a levar em consideração é que o sexo é algo natural na vida da maior parte dos seres humanos. E apesar do grande número de pessoas que não se interessa ou não faz sexo, ele ainda está presente no dia a dia de muita gente. E o cinema retrata questões e situações da vida. Retirar das obras algo tão importante na vida de tanta gente simplesmente não faz muito sentido. Como não faz sentido evitar retratar qualquer tema ou momento que faz parte da experiência humana.
Mais uma coisa a se pensar é que o sexo nos filmes e nas séries pode ajudar a mostrar a sexualidade de uma maneira mais positiva, meio que tentando arrumar os males que a pornografia dissemina. Sexo no audiovisual é coreografia sexual, não um ato real; mas os filmes de ficção retratam diversos tipos de realidade e formas de se viver, podendo trazer um olhar mais positivo sobre o sexo, os corpos, os diferentes tipos de sexualidade, de envolvimentos e situações sexuais. Ao contrário do sexo irreal e problemático da maioria dos filmes pornográficos.
Vivemos em uma época onde as pessoas tratam cinema apenas como entretenimento, acreditando que tudo o que está na tela existe apenas para nos divertir por algumas horas. Só que a realidade não é essa. Os filmes são uma forma de arte. E como toda arte, também existem para nos fazer pensar, questionar o mundo que nos rodeia e até mesmo a nossa forma de agir. E o incômodo faz parte disso.
Alguns dos melhores filmes que já vi me tiram da zona de conforto. E a gente só evolui saindo da zona de conforto também. E isso não serve apenas para mim, mas para qualquer pessoa.
E não estou dizendo para ninguém se violentar. Gatilhos fortes devem vir com aviso e a classificação indicativa descreve os tipos de situação que vamos encontrar dentro da obra, justamente para que ninguém se depare com algo que vai acabar fazendo mal para si. Só que nem tudo o que a gente não gosta é um gatilho, e isso precisa ser destacado, já que o termo acabou sendo banalizado. E consequentemente o seu significado.
Mas voltemos ao sexo.
Muitos dizem que o crescente incômodo com as cenas de sexo vem de uma lógica conservadora que toma conta do mundo. Bom, politicamente vimos isso nos últimos anos, inclusive aqui no Brasil (infelizmente). Então eu não consigo discordar dessa visão, porque esse movimento conservador é real. Só que penso que existem mais questões além do excessivo conservadorismo que toma conta do planeta.
Muitos estudiosos têm analisado que a mais recente geração de jovens tem mais facilidade para falar sobre sexo, mas na prática faz pouco sexo. É o chamado apagão sexual da geração Z. Existem diversos motivos que os psicólogos analisam para o fenômeno (?), e provavelmente a falta de interação sexual realmente deve gerar mais desconforto na hora de ver cenas mais íntimas. Só que existe um outro detalhe que algumas pessoas analisam faz um tempo e que provavelmente influenciam nessa onda de jovens desejando acabar com as cenas de sexo no cinema. E esse detalhe são os filmes blockbusters.
Nos últimos 15 anos a proliferação de filmes de super-heróis foi gigantesca. A Marvel está aí com seu multiverso, não me deixando mentir. E o que vemos nessas obras? Diversos atores muito bonitos, com corpos sarados e muitas cenas de luta e ação. E apesar de um ou outro momento de flerte ou até mesmo de envolvimento romântico, esses filmes não trazem cenas de grande atração sexual ou romântica. Em geral o que vemos são alguns longos olhares e alguns beijinhos sem grande demonstração de desejo. Eu vou além, sem demonstração de intimidade. Pode prestar atenção como nos filmes de herói os poucos momentos de vulnerabilidade são quebrados por uma piada ou uma cena de ação.
E sexo também é um momento de intimidade e vulnerabilidade.
E se toda uma geração cresce vendo filmes que fogem de cenas que trazem intimidade e vulnerabilidade, eles se acostumam a isso. E acaba influenciando na repulsa que alguns têm por cenas de sexo no cinema. Junte o fato de que estamos em uma época onde o conservadorismo reina, as pessoas não lidam bem com suas próprias fragilidades e a pornografia é extremamente fácil de se encontrar na internet. É um combo de elementos que leva toda uma geração que não quer lidar com o incômodo a não se sentir confortável vendo intimidade sexual.
Só que cortar cenas de sexo é de fato um tipo de censura e algo que aumenta o medo do sexo. E depois de muita luta para que a censura fosse retirada dos nossos filmes e séries, da nossa arte como um todo, seria um retrocesso sem tamanho excluir algo que é parte integrante da experiência humana das nossas obras. E ao invés de melhorar as coisas, estaríamos dando passos para trás.
É importante lembrar que quando falamos de diversos tipos de arte, estamos falando de algo que bebe da sociedade, mas que ao mesmo tempo influencia os comportamentos sociais. Já vivemos em uma sociedade com muito medo de sexo e da sexualidade. Quanto mais tratarmos o tema como um tabu, ao invés de algo natural, mais a lógica conservadora irá tomar conta. E aí mais retrocesso para a luta das mulheres e da comunidade LGBTQIA+. É preciso falar sobre sexualidade, sobre como fazer sexo é algo natural, como também é natural a assexualidade. Como o não falar sobre sexo pode levar a violências, como o sexo não é algo a ser temido, nem algo para se ter vergonha. Como existem mais formas de sexo que apenas entre um homem cisgênero e uma mulher cisgênero. E a arte, seja ela qual for, precisa participar desse debate.