Crítica: Memória Sufocada
Memória Sufocada – Ficha técnica:
Direção: Gabriel di Giacomo
Roteiro: Gabriel di Giacomo
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 30 de março de 2023
Sinopse: Coronel Ustra é o único militar condenado como torturador durante a Ditadura. O ex-presidente Jair Bolsonaro o exalta como um herói. Mas qual é a verdade? Através de buscas pela internet, o passado do Brasil vai sendo reconstruído e esbarra no presente.
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Confrontar o passado recente do Brasil tem sido um desafio gigantesco para qualquer historiador ou estudioso que se volte ao período da Ditadura Militar. Após uma anistia generalizada feita no processo de redemocratização, o país se viu em uma crescente negação ou minimização dos crimes cometidos pelo Estado brasileiro – sendo a segunda uma consequência direta da primeira.
Não à toa, o Brasil elegeu em 2018 um governo que enaltecia torturadores, celebrava o golpe civil militar de 1964, e reforçava as ideias negacionistas – da História e, bem sabemos, da própria Ciência.
Mas como é possível negar os horrores da Ditadura, se há tanta informação disponível online, a duas telas de distância de qualquer pessoa com conexão? Esta é a premissa do filme Memória Sufocada, de Gabriel di Giacomo. Apesar das imagens feitas no DOI-CODI de São Paulo, o documentário se utiliza basicamente de vídeos, áudios e informações disponíveis na internet.
Memória Sufocada é um documentário cujo período histórico de produção fica bastante evidente: além de ter sido feito durante o governo Bolsonaro, suas características são de um “filme pandêmico”, ou seja, parece ter sido feito majoritariamente em período de isolamento social.
Com elementos gráficos que emulam pesquisas no Google, áudios de Whatsapp e vídeos online, Memória Sufocada pode não trazer nenhuma “novidade” a quem está inteirado da situação política do Brasil nesses quase 40 anos pós-ditadura, mas faz um recorte que passeia por diversos pontos importantes, conectando as manifestações conservadoras pró-Bolsonaro à Marcha da Família com Deus pela Liberdade, os desaparecimentos durante o Regime Militar ao desaparecimento de pessoas como Amarildo, e os processos políticos que levaram à saída de Dilma Rousseff e à eleição de Bolsonaro.
O título, que faz referência ao livro publicado pelo torturador Coronel Ustra, simboliza mais um desses apelos da sociedade brasileira por valorizar a memória dos que sofreram, mantendo uma verdade que, se não puder trazer a justiça que tanto desejamos, ao menos permita que possamos respirar.
Memória Sufocada é um documentário que se une ao coro das produções que buscam entender o Brasil e curar tantas feridas ainda abertas. Creio que será necessário produzir mais documentários e obras que tratem do assunto, especialmente porque esse tipo de conversa com a sociedade se dá de forma lenta e gradual.
Documentários como este contribuem com o debate e ajudam a solidificar as mensagens que precisam ser enviadas à população brasileira: de que a anistia generalizada foi péssima, de que a nossa história precisa ser fortalecida com fatos, e de que o esquecimento é o pior remédio que uma sociedade deve tomar para seguir em frente, pois mantém as feridas abertas em vez de cicatrizá-las, deixando o país em risco constante de futuras hemorragias.
Tomara que este filme chegue ao máximo possível de pessoas. Às escolas. Àqueles que ainda não se deram conta do buraco em que estamos.