Crítica: O Pastor e o Guerrilheiro - 55º Festival de Brasília
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Crítica: O Pastor e o Guerrilheiro – 55º Festival de Brasília

O Pastor e o Guerrilheiro – Ficha técnica:
Direção: José Eduardo Belmonte
Roteiro: Josefina Trotta
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2022 (55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro)
Sinopse: Na década de 1970, um guerrilheiro comunista divide uma cela com um cristão evangélico, preso por engano. Em meio a torturas e conflitos ideológicos, eles se ajudam e marcam um encontro para o réveillon do ano 2000. Nos últimos dias do milênio, Juliana, ativista e filha ilegítima de um coronel que acabara de se suicidar, é surpreendida com uma herança deixada por ele. Através de um livro, ela descobrirá que seu pai torturou os dois presos e que o encontro marcado não acontecerá como previsto.
Elenco: Johnny Massaro, César Mello, Julia Dalávia, Cássia Kis, Sergio Mamberti.

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Às vezes, uma história importante pode sucumbir ante as técnicas adotadas para contá-la e vice-versa. O mais comum é que fatos reais inusitados rendam narrativas formulaicas, adaptadas para um público amplo ou que apelem às emoções primárias dos votantes de festivais e premiações internacionais televisionadas. Este é exatamente o caso de O Pastor e o Guerrilheiro (Idem, 2022), que, mesmo muito distante de ser um filme ruim, sufoca em suas aspirações em função de uma estrutura dramática ineficiente.

Dividida em três linhas narrativas, a empreitada conta as histórias de João (Johnny Massaro), Zaqueu (César Mello) e Juliana (Julia Dalavia). O primeiro é um estudante da Universidade de Brasília na época da Ditadura Civil-Militar (1964-85) que abandona os estudos e parte para integrar uma guerrilha na Amazônia, onde é capturado, preso e levado para Brasília; o segundo é um pastor evangélico preso por engano e colocado na mesma cela do esquerdista; já a terceira, em 1999, também é estudante de nível superior na UnB e recebe uma notícia curiosa: receberá a herança de seu pai, o qual nunca a reconheceu como filha. Porém, quanto mais cava nas profundezas do passado do falecido, Juliana descobre mais fatos que o conectam ao pastor e ao guerrilheiro.

O título por si já evoca um espírito conciliador saudável e sempre aplaudido em eventos da magnitude do Festival de Brasília, de onde este filme dirigido por José Eduardo Belmonte (de Alemão e Carcereiros) saiu premiado como Melhor Longa-Metragem da Mostra Brasília. Todavia, o projeto leva um tempo considerável para justificar a pertinência de seu nome, já que o roteiro assinado por Josefina Trotta mantém ações e linhas temporais dispersas em, pelo menos, três núcleos, os quais se fundem na conclusão do enredo, é verdade.

Todavia, qual é o sentido de batizar a obra de O Pastor e o Guerrilheiro se a relação entre esses personagens ocupa apenas um terço da projeção total? A intenção dos realizadores é cristalina: em regimes de exceção, autoritários, militantes políticos ateus e cidadãos civis desengajados e religiosos podem – e frequentemente vão – parar no xilindró, passando pelo calvário mais inimaginável. A aproximação entre os diferentes – mas que, ao fim e ao cabo, possuem mais semelhanças do que contrastes – se faz necessária em um tempo de secessão como o que se vive no Brasil maculado pelo fundamentalismo. Só que o contato limitado entre os dois protagonistas do longa prejudica a concretização catártica dessa ideia, já que sobra pouco espaço, dentro dos 115 minutos de duração, para uma interação peremptória e convincente entre os dois sujeitos.

A grande relação conflituosa da produção reside na personagem de Julia Dalavia, que cumpre a função de retirar “os esqueletos do armário”. A despeito de uma premissa engajante e uma discussão interessante sobre as origens dos privilégios e o legado geracional, a trama artificializa o conflito ao distanciar emocional e fisicamente a jovem universitária do parente inusitado que lhe deixou uma herança polpuda. É representativo que a estudante seja fruto de um estupro, ponto para o roteiro. Entretanto, a falta de conexão de Juliana com o pai ex-torturador tira a chance de a) a personagem se revolver em repulsa com as medidas tomadas no passado por um ente querido e b) de a percepção do público mudar à medida que a filha bastarda descobre a verdade sobre o progenitor. Não há uma coisa nem outra, o que deixa o resultado final ligeiramente forçado.

Ainda assim, O Pastor e o Guerrilheiro se sustenta graças à pertinência de sua temática e às interpretações do elenco, no geral, bastante consistente, com destaque para Johnny Massaro e César Mello (quase irreconhecível, diga-se), intérpretes dos dois personagens-título. Ademais, é preciso destacar a discreta participação de Cássia Kis nesta iniciativa. Destaque negativo de 2022 ao revelar sua concordância com os atos golpistas pós-eleições, Cássia tem poucos diálogos e, quando aparece, o faz de maneira minimalista. Seria uma tentativa dos produtores de abafar as polêmicas de última hora (o que duvido, uma vez que a obra circulara no Festival de Gramado) ou uma determinação da própria atriz, resistente a ser associada a uma história que ilustra os perigos deletérios de um regime militar e coloca religiosos e comunistas em plena comunhão, enquanto ela própria prega a intolerância contra minorias e defende protofascistas? Está aí uma angústia ideológica mais interessante do que a que sustenta este filme.

Texto escrito por: Júlio Cézar Rodrigues

  • Nota
3

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