Crítica: A Invenção do Outro - 55º Festival de Brasília
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Crítica: A Invenção do Outro – 55º Festival de Brasília

A Invenção do Outro – Ficha técnica:
Direção: Bruno Jorge
Roteiro: Bruno Jorge
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2022 (55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro)
Sinopse: Em 2019, a Funai realiza na Amazônia a maior expedição das últimas décadas para tentar encontrar e estabelecer o primeiro contato com um grupo de indígenas isolados da etnia dos Korubos em estado de vulnerabilidade e ainda promover um delicado reencontro com parte da família já contactada poucos anos antes.
Elenco: Bruno Pereira, Bernardo Natividade, Takvan Vakwë Korubo, Xuxu Korubo, Lucas Albertoni, Jair Candor.

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O Cinema é, em uma das tantas sábias palavras do lendário crítico Roger Ebert, uma máquina de empatia. O contato com a alteridade, com a existência do Outro, se dá de forma mais completa e efetiva por meio da materialidade física da figura, dos comportamentos, da voz, dos sentimentos e histórias que só poderiam acontecer a seres humanos (ou a criaturas antropomórficas). Não é por acaso, nem por mera pressão de grupos minoritários ou por questões políticas que tanto se apregoa uma representação mais diversificada no audiovisual: o reconhecimento da existência do Outro já o torna, consequentemente, humano, logo, mais próximo de nós como coletividade, mesmo que as diferenças individuais sejam inúmeras. Porém, o que fazer quando este Outro existe em uma esfera diferente, da qual partimos, da qual fazemos parte historicamente, mas que, ainda assim, enxergamos de forma exótica?

É a partir de A Invenção do Outro (Idem, 2022) que o diretor, roteirista, montador e operador de som Bruno Jorge procura responder essa angústia tão profunda. Neste belíssimo documentário, o qual faturou quatro troféus Candango (Filme, Fotografia, Montagem e Edição de Som), além do especial Troféu Saruê, acompanhamos a jornada do indigenista Bruno Pereira, em missão da Funai (Fundação Nacional do Índio) na Amazônia, para juntar o indígena Xuxu ao povo Korubo após ter vivido vários anos com os matis assim que eles o capturaram.

A proposta do cineasta é a de restaurar a humanidade e a conexão dos brasileiros, tão dominados por uma cultura ocidentalizada e europeia que separam, animalizam e mistificam aqueles que, de fato, estão em sua matriz cultural primária. Para isso, a estrutura do documentário procurar ao máximo fugir do esquema tradicional de entrevistas tipicamente credenciadas, preferindo adotar, ao invés disso, uma observação reservada e despreocupada com inquirições culturais ou práticas, seja para os indígenas Korubo, seja para os agentes indigenistas da Funai.

Bruno Jorge prefere que o espectador julgue os eventos por si – e é aí que reside a beleza do longa-metragem, porque o instinto natural da plateia é de frisar as diferenças existentes entre ela e o povo originário retratado, classificando-o, em um primeiro momento, de maneira redutiva, como bárbaro, provinciano ou impressionável. Só que, justamente nessa concepção do realizador, as barreiras que separam colonizados e indígenas, nós e eles, se diluem completamente quando somos colocados diante da natureza que nos acolheu e que propicia nossa vida. Uma cena que exemplifica esta constatação se dá logo no começo da projeção, quando Bruno Pereira, assassinado junto ao jornalista britânico Dom Philips em junho de 2022, instrui seus companheiros de missão a procurarem um lugar adequado, relativamente distante dos alojamentos, para fazerem suas necessidades fisiológicas, lembrando-os, também, a manterem uma postura respeitosa em relação às mulheres presentes.

É curioso notar como essa orientação comportamental não se repete na comunidade dos Korubos. Logo, os ditos “civilizados” já apresentam uma incorreção que nem os “silvícolas” sequer darão indícios de ter. Também uma sociedade plural, de costumes e crenças ancestrais, a tribo, em nenhum momento, precisa fazer reprimendas morais a fim de inibir posturas indesejáveis por parte de seus membros, já que estas sequer acontecem, mesmo que os homens frequentemente falem sobre abstinência sexual e andem com a genitália exposta. Aliás, é muito interessante, a nível antropológico, o tratamento conferido por esse povo ao sexo e à nudez: conservam a noção erótica, recreativa e de procriação, é claro, todavia, a prática sexual também está relacionada à comunhão da natureza e à sensação de pertencimento ao grupo, uma justificativa sofisticada para um hábito tão mundano.

Também encanta, deve-se apontar, o reencontro em torno do qual os 144 minutos de duração se sustentam. A emoção genuína dos conterrâneos ao reconhecerem um dos seus, mesmo que não o conhecessem pessoalmente, é comovente, também despertando atenção os laços de irmandade instantânea que os Korubos desenvolvem com aqueles que consideram amigos e se manifestam pacificamente. Homens se tocam, se beijam, dão abraços, se reúnem e ouvem com acuidade, sem pensar que o contato físico os emasculará ou os tornará homossexuais. Da mesma forma, quando uma enfermeira se mistura às mulheres da tribo, a primeira reação das indígenas é a de acolhimento, demonstrado pelo pedido para que a profissional branca tire seu sutiã, uma maneira não de promover assimilação cultural como estratégia de dominação, mas de libertá-la em um meio natural e que a permitirá seguir intacta, sem o assédio de outrem.

A Invenção do Outro, portanto, além de dar um gostinho aos representantes coloniais de como é se sentir exótico, retrata a verdadeira cordialidade brasileira: a dos povos continuamente massacrados, incompreendidos e invisibilizados que, de fato, ao lado dos pretos africanos, fundaram esta nação cuja cor da árvore que lhe nomeia é vermelha, a qual, para os indígenas, representa fogo e, para certos africanos, vitalidade. Taí um lema mais coerente e praticável do que a ordem e o progresso positivistas: fogo e vitalidade. De fato, o melhor e mais essencial longa-metragem apresentado no 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Texto escrito por: Júlio Cézar Rodrigues

  • Nota
5

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