Crítica: Ken Park (2002)
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Crítica: Ken Park (2002)

Larry Clark chocou o mundo com Kids (1995) e o fez de forma dinâmica, sem pudores, com o auxílio de um jovem roteirista chamado Harmony Korine – talvez o grande símbolo da jovialidade do cinema norte-americano dos anos noventa e, por que não, sinônimo de grande visceralidade, principalmente em relação à conscientização dos adultos sobre as necessidades e liberdade dos jovens, a sua sexualidade e descobrimento, crescimento ao ponto de sofrer as consequências e não mais ignorá-las. Dois artistas com a mesma intenção que se separaram pelo tempo mas que, por graça divina, se reuniram sete anos depois para realizarem outra obra-prima que se destaca pelo extremismo chamada “Ken Park” (2002).

Ken Park é um garoto que anda de skate, possui sonhos e amores, e ainda é, assim julgam, um aprendiz na condição de existir, buscando em si a figura de um filho, de colega ou pai, pouco se sabe sobre ele que não suas infinitas possibilidades. Em dois minutos ele está morto. O personagem que dá nome ao filme se esvai de forma súbita, quase tão sorrateiro quanto uma borboleta. A partir do momento que a linha lógica se quebra, o espectador pressente (afinal, somos orgulhosos ao ponto de tentarmos constantemente antever o que fatalmente será) que a obra em questão pode ser todas as coisas, menos linear ou condizente com a forma padrão de se apresentar o jovem e sua vida escolar/familiar.

Quando Ken Park comete o suicídio – suponhamos que o fizera por saber que seria pai, ainda que não há explicações para esse tipo de coisa – somos convidados, assim como ele, a nos ausentarmos para que assim possamos refletir sobre nossas questões mais profundas em base a quatro personagens, eles possuem em comum a mesma incomunicabilidade com a família, são frutos de um desperdício da palavra e os garotos precisam lidar com a imposição da masculinidade como prova de poder e dominação, ao passo que a única personagem feminina entre eles, Peaches (Tiffany Limos), sofre a mesma opressão vindo do seu pai, um homem extremamente religioso e que reflete na filha a imagem da sua esposa que falecera.

Os pais também são filhos, esquecemos disso constantemente. A família é desenvolvida aqui como uma entidade cínica, caminhando por entre o desespero de sentir e educar, como um impulso instintivo que anseia que as próximas gerações não sejam tão fracassadas quanto a anterior.

O pai que se embriaga e ensina o filho a pegar peso; a mãe que mesmo sozinha com a filha permite que ela assista conteúdo impróprio na TV; o que mais existe aqui é essa inerência do ser em projetar sua melancolia nos filhos e vice-versa. Há uma necessidade de todos os personagens em serem aceitos, por isso Shawn (James Bullard) é apresentado visualmente prendendo o seu irmão em uma brincadeira enquanto impõe que ele diga que o ama. O papel do jovem rebelde é desmitificado quando Shawn deixa de lado essa figura agressiva para se tornar um filho carinhoso no quarto da sogra, a qual também é sua amante. Por ela ser mais velha, ensina a ele os segredos do sexo, no mesmo tempo que media a relação entre o prazer e a comunicação, se fazendo de simples amante no mesmo tempo que se sente tocada quando o menino cria uma comparação entre ela e a filha, passado e futuro se confrontam e o tempo é sentido como um dilema crucial para o entendimento do vazio familiar que Larry Clark trabalha tão bem.

A relação de Claude (Stephen Jasso) e o seu pai é a mais explícita, conflito de personalidade onde será explorada questões de opção sexual, culpa e retardamento. Uma cena simbólica é quando o seu pai quebra o skate aparentemente sem motivo algum, logo em seguida cai e chora, bêbado. O skate, representando veículo e liberdade, ao ser quebrado limita o personagem ao espaço comum, de modo que seja obrigado a confrontar os seus sentimentos mais profundos e que constantemente tenta ignorar.

Se todas histórias aqui possuem um elo temático e visual, bem como diversas transições de cenas acontecem e reinterpretam ou dão ainda mais significados à anterior – de um pai chorando na calçada por ter quebrado um skate para o outro na mesa, prestes a tomar o café e que cujo costume é fazê-lo de joelhos, como se estivesse se punindo a cada refeição, momento este vinculado às interações familiares – a mais contundente, sem dúvida, é a de Tate (James Ransone). Sua vida é mostrada de forma diferente, boa parte das suas motivações e melancolia são ocultas do espectador, seus avós o tratam muito bem e momentos de ira do jovem são causados pela sua interpretação dos fatos, não em base ao contexto geral. Existe um passado cuja importância apesar de transparente jamais é mencionada, o que faz do personagem ser extremamente delicado, até por se tratar da ação mais violenta de todas contra os adultos.

Tate é o último degrau, onde a consequência do silêncio e abandono atinge o seu nível máximo, através dele percebemos o perigo do distanciamento do jovem com sentimentos relacionados à pureza. O personagem é o contraponto da “Ilha do Paraíso” mencionada ao final, em uma cena que destoa intencionalmente de todo o desenvolvimento até então, o sexo é mostrado e relacionado com a liberdade. A utopia inserida nesse momento é a chave para compreender as amarras humanas que vinculados ao seu dever ético enquanto pertencente a um meio social, esquecem quem são e por que vieram, afastando o indivíduo cada vez mais da sua feminilidade e, por consequência, da sua versão nua.

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