Crítica: Noite Exterior - 46ª Mostra de São Paulo
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Crítica: Noite Exterior – 46ª Mostra de São Paulo

Noite Exterior – Ficha técnica:
Direção: Marco Bellocchio
Roteiro: Marco Bellocchio, Stefano Bises, Davide Serino, Ludovica Rampoldi
Nacionalidade e Lançamento: Itália, 2022 (46ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Em 1978, a Itália está devastada por uma guerra: na história das nações ocidentais, o primeiro governo apoiado por um Partido Comunista (PCI) está prestes a assumir o poder numa aliança única com o bastião nacional do conservadorismo, os Democratas Cristãos (DC). Aldo Moro, presidente do DC, é o principal proponente deste acordo.
Elenco: Fabrizio Gifuni, Margherita Buy, Toni Servillo, Fausto Russo Alesi, Gabriel Montesi, Daniela Marra.

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Se tem um tema que permeia toda a obra do cineasta italiano Marco Bellocchio, esse tema é a morte. Outras questões também são primordiais nos seus trabalhos como a política italiana, a esquerda italiana, a história italiana, os conflitos familiares e a religião, mas a morte sempre paira sob esses temas e sob todos seus trabalhos.

“Noite Exterior” (“Esterno Notte”), a primeira série que ele escreveu e dirigiu e que estreou primeiro nos cinemas italianos num corte como filme dividido em duas partes para só depois passar na televisão, é a somatória de diversos temas do seu passado. Bellocchio já havia abordado o sequestro de Aldo Moro (nesse filme aqui feito por Fabrizio Gifuni) em uma das suas obras–primas, “Bom Dia, Noite” (2003), pelo ponto de uma vista de uma das suas sequestradoras, Chiara (Maya Sansa), membra dos Brigadas Vermelhas, uma organização de esquerda radical que sequestrou Moro, ex–primeiro ministro da Itália e presidente do partido Democracia Cristã que estava sendo responsável por uma aliança política entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista Italiano, ligação essa que era repudiada pelos Brigadas. Moro no filme de 2003 é uma figura coadjuvante e basicamente só existe pra ser observado por Chiara, a figura central do filme que começa a sentir dúvidas e culpas por conta do sequestro.

Aqui Chiara não existe e vemos o ponto de vista de Moro, mas não só dele, assistimos o ponto de vista de toda a história. Bellocchio usa o formato de série para dividir a narrativa em seis capítulos que acompanham diferentes pontos de vistas sob o sequestro que parou de Itália: temos um episódio focado em Moro, no então Papa Paulo VI (Toni Servillo), o ministro e companheiro de partido de Moro (Fausto Russo Alesi), uma das sequestradoras (Daniela Marra) e a esposa de Moro (Margherita Buy). Cada um desses episódios acaba mostrando que a história política de um país às vezes pode ser um grande cemitério, uma mansão mal-assombrada, e os fantasmas são aquelas cicatrizes marcadas e analisadas pela força do tempo guiadas pelo desespero da situação.

Bellocchio conduz esse épico com aquele tom de ópera, de tragédia, que é típico do seu projeto audiovisual. Ao mesmo tempo que é uma série focada não em tiroteios e embates bélicos, e sim em conversas, burocracias, negociações e dramas pessoais daqueles que enfrentam esse momento. E aí o controle e vitalidade formal do cineasta impressiona por conseguir deixar a grande parte desses momentos sob o dia–dia por trás das questões desse sequestro tão tensas e emocionais e somar isso com um grande impacto quando os momentos de conflito explodem em tela na ação.

Detalhes como a atenção da câmera em se colocar pelos buracos das portas e assumir esse ponto de vista justamente por nos inserir nos momentos mais tensos por exemplo. Ou nos pesadelos e sonhos que vão se materializando na mente os seus personagens para a tela. Dentro de tudo isso, a obra de Bellocchio continua não se interessando por idealizações, e sim por olhar o que ficou para trás para entender o presente, não escondendo os seus fracassos e todo os olhares que a cercam. Bellocchio, homem de esquerda e membro do Partido Comunista na juventude, observa os Bridadas Vermelhas com desprezo ressaltando como as ações e métodos deles acabaram custando os objetivos da própria esquerda, deixando claro uma hipocrisia que gira ao redor daqueles personagens como se eles não de fato defendessem ou acreditassem nos ideias que eles falam (um encontro deles na rua deixa isso bastante claro).

Ao mesmo tempo, Bellocchio também enxerga a Democracia Cristã como covardes, incompetentes e parasitas que acabaram sacrificando a vida de Moro. Se os Brigadas para Bellocchio acabaram errando pela forma que lidaram com os seus ideais e não por eles em si, para o cineasta a Democracia Cristã vai se revelando como partes de ideais podres que aparecem em suas ações também, que antes não eram percebidas por Moro, e são percebidas no momento do seu sequestro por ele e pelo público. No meio disso o diretor analisa o fator humano de cada um dos personagens deixando que todos caiam longe de algo simplório: percebendo como a vida cotidiana e os grandes conflitos, reviravoltas e intrigas políticas se cruzam no mesmo ambiente onde religião, política e família são uma coisa só. E aí a habilidade de Bellocchio como um imenso diretor de atores ficam evidentes extraindo interpretações grandiosas de todos os seus atores, mas principalmente de Fabrizio Gifuni que após sumir durante os outros episódios retorno no final com um monólogo devastador cheio de rancor, ódio e decepção, Toni Servillo que cria um Papa absolutamente de carne e osso que é afundado pelos conflitos e questões humanas ao redor deles e principalmente de Margherita Buy que toma o filme pra si no seu episódio como uma força da natureza extraindo algo muito comovente nos seus olhares e desespero como uma mulher que é cercada pelo sentimento de impotência ao não poder fazer para salvar o seu marido, já que todos estão completamente consumidos e tomados por um organismo invisível mas sempre presente das piores formas possíveis.

  • Nota
5

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