Crítica: Benção – 46ª Mostra de São Paulo
Benção – Ficha técnica:
Direção: Terence Davies
Roteiro: Terence Davies
Nacionalidade e Lançamento: Reino Unido, Estados Unidos, 2022 (46ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Siegfried Sassoon foi um poeta que sobreviveu aos horrores do front de batalha da Primeira Guerra Mundial e condecorado por seus serviços. No entanto, quando voltou para casa, tornou-se um forte opositor da decisão do governo em continuar com a guerra. Sua poesia era inspirada nas experiências na Frente Ocidental, e ele se firmou como um dos principais poetas de guerra da sua época.
Elenco: Jack Lowden, Simon Russell Beale, Peter Capaldi, Jeremy Irvine, Kate Phillips, Gemma Jones.
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Após ser impactado com a sessão de “Benção” (“Benediction”), novo longa–metragem de Terence Davies, tive a impressão que qualquer coisa que fosse dizer sobre ele não lhe faria jus. Pareceria pequena diante do tamanho do impacto que ele me transmitiu que me fez sair tonto da sessão. Curioso pensar nisso num filme onde as palavras importam tanto e num filme que talvez seja o longa recente que melhor lida com a conversa entre o texto, o roteiro e as imagens, o ato de filmar e as abordagens cinematográficos de encenação. O filme conta a história do poeta britânico Siegfried Sassoon (interpretado mais novo por um impressionante Jack Lowden e quando mais velho por Peter Capaldi ótimo em extrair todo o mar de amargura que o seu personagem se transformou), se focando no seu período como soldado na Primeira Guerra Mundial e principalmente na sua vida pessoal frequentando a burguesia artística Inglesa e se relacionando com diversos homens. “Benção” se insere totalmente dentro do projeto artístico de Davies pra o cinema porque ao mesmo tempo que administra essa drama de época poético e clássico, ele foge de qualquer tipo de tradicionalismo ou sentimento genérico ao lidar com ele em sua encenação, enchendo o filme de imagens de arquivo da guerra na montagem, de transição rápidas, um ritmo próprio como é a vida e de movimentos de câmera muito lentos que vão se aproximando lentamente dos objetos que filmam e mudando cenários, tempos e faces.
Numa cena brilhante na igreja a câmera se aproxima de Lowden, dá a volta por ele e no instante seguinte ele se transforma de Capaldi fazendo que sejamos deslocados pelo tempo pelo uso da câmera. Já em outra sequencia enquanto os personagens dançam os cenários e o tempo por meio da montagem vão se misturando e mudando ou também no momento em que a montagem novamente brincando com essa ideia temporal faz com que entre uma situação absolutamente corriqueira Siegfried na cena seguinte vá parar no hospital baleado dando essa ideia só com o som e a montagem.
Esse tipo de experimentalismo constante e sutil da obra de Davies faz com que essa ideia de lirismo, de poesia, apareça sempre de forma imagética dentro da sua encenação. Da mesma que mistura tão bem essas imagens líricas com as palavras e o texto que está ao seu redor. É um filme com uma atenção gigante pra criação do seu texto, de conversas e tem diálogos extremamente inteligentes, sensíveis, densos, profundos, mas cheios de graça, ironia e leveza nas suas interações, o que só deixa ainda mais evidente uma melancolia gigantesca e um sentimento de dor causado pela dificuldade de se relacionar e pelas marcas do tempo.
Esse lirismo textual dos diálogos e das conversas acaba conversando totalmente com o lirismo visual do que é filmado e da encenação, ao mesmo tempo que essa sensibilidade, a beleza do filme, acaba se misturando plenamente com a forma dura e pesada que ele vê o mundo principalmente em questões de relacionamento, guerra, a transição do tempo e dores que carregamos pela eternidade. O jovem Jack Lowden acaba tendo uma interpretação verdadeiramente genial conseguindo transmitir tanto a verborragia poética de Davies de um jeito tremenda natural, leve e sensível, ao mesmo tempo que lentamente em sua face e no silencio imagens comoventes surgem de forma fixa como na cena final só com um choro. Ele é parte vital de um filme que mostra que dentro do cinema imagens e palavras podem igualmente se completar como forças da mesma magia cinematográfica.