Crítica: Nezouh – 46ª Mostra de São Paulo
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Crítica: Nezouh – 46ª Mostra de São Paulo

Nezouh – Ficha técnica:
Direção: Soudade Kaadan
Roteiro: Soudade Kaadan
Nacionalidade e Lançamento: Síria, Reino Unido, França, Qatar, 2022 (46ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Zeina, uma garota de 14 anos, e sua família são os últimos a permanecer na cidade sitiada de Damasco, na Síria. Um míssil abre um enorme buraco na casa deles, expondo-os ao mundo exterior. Quando uma corda misteriosamente surge através desse buraco, Zeina experimenta pela primeira vez a sensação de liberdade, e um mundo inimaginável de possibilidades se abre para ela.

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Há algo de poético, singelo e até bonito nos lençóis pendurados pela casa semidestruída de Zeina e seus pais. Ela e sua mãe jogam pedras no chão e imaginam que elas caem na água, sonhando com o mar.

O pai, Motaz, se recusa a ser um “deslocado” (significado da palavra que intitula o filme). Sua teimosia em viver numa cidade totalmente destruída pela guerra é bem representada pelo uso da porta para entrar no apartamento, quando seria possível cruzar o buraco que se formou ao lado dela.

A menina Zeina tenta se alegrar e sonhar mesmo na situação em que vive: dança músicas, desenha nas paredes e assiste a projeções no terraço do prédio com o vizinho Amer, com quem vive um romance pueril e fofo.

Não me surpreenderia se Zeina e Amer cantassem “A Whole New World” quando estão juntos: os tecidos esvoaçantes, o clima leve de sonho e até mesmo a ausência de violência em um filme de guerra fazem de “Nezouh” uma história que poderia ser contada por “roteiristas da Disney”.

Não há problema nenhum em brincar com a fantasia e o lúdico em uma situação de guerra: a ideia já foi explorada inúmeras vezes. O problema é quando os diálogos beiram o piegas e os acontecimentos chegam ao nível do inverossímil. Enquanto o comportamento machista e obcecado do pai é realista, o reaparecimento dele no fim da projeção definitivamente não é. O mesmo pode-se dizer para a maneira quase salvadora com que Amer ressurge, e certamente para o desenrolar final da trama e suas facilidades.

Se “Nezouh” decidisse seguir uma linguagem mais poética e lúdica, poderíamos visualizar como uma representação das ideias da protagonista. No entanto, é o realismo que vem à tona e nos mostra que, apesar de tudo, estamos vendo uma história factível.

A metáfora da “Rapunzel” enclausurada em sua torre, do príncipe encantado e dos sapatos vermelhos se perde quando a realidade surge e pede por diálogos menos simplistas e soluções menos preguiçosas – muitas delas atreladas à existência de equipamentos eletrônicos convenientes demais.

A projeção de um filme na parede, o uso das amoras como elementos de sensualidade e os elementos poéticos usados ao longo do filme seriam muito eficazes em um “coming-of-age” em tempos de guerra. Mas “Nezouh” acaba se rendendo ao esforço de garantir um final feliz a todo custo.

E todos nós sabemos que na guerra não existe final feliz.

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