Crítica: The Ghost of Yotsuya (1959)
Nada mais inebriante do que mergulhar em desconhecidas culturas, é uma posição corajosa, que exige muita resistência intelectual – por mais exagerado que pareça – e, no fim, quase sempre é uma atitude infinitamente recompensadora. Essa é uma sensação que nos é transmitida, dentre diversas outras oportunidades, quando percebemos que o cinema clássico de terror japonês pode ser assimilado como fragmento importante da história do país.
Um ano antes de apresentar – e se imortalizar – para o mundo com o grande “Inferno” (1960), Nobuo Nakagawa tornava possível a realização cinematográfica da clássica história de Oiwa, escrita originalmente por Nanboku Tsuruya. Na história, Oiwa era uma bela jovem que vivia em um vilarejo e se apaixonava por Iemon, um guerreiro de família humilde. Aos poucos o rapaz se apropria da vida de Oiwa, maltratando-a, mentindo, culminando em um homicídio planejado. O espírito vingativo da moça passa a persegui-lo, de modo que o faça enfrentar a culpa através do medo.
O longa inicia com dança e canto – prova da importância e influência do teatro kabuki na formação do cinema de horror nipônico -, os movimentos dos corpos nesse curto espaço de tempo causam profunda melancolia e demonstram com exatidão os caminhos traçados pelos personagens. Mesmo que puro, a dança e a música aqui são profundamente distorcidas, assim como as relações movidas por interesses que destoam um do outro. Por consequência, escrever sobre “The Ghost of Yotsuya” (1959) é abordar traições e de que modo o filme encontra refúgio na personagem feminina como forma de sintetizar inocência e no guerreiro Iemon como representação do egoísmo.
A violação acontece já nos primeiros vinte minutos, um cinema acostumado com o tradicionalismo, principalmente as inúmeras obras de samurais, aborda o masculino como um ser corrupto, digno de enormes brutalidades e atitudes que preenchem unicamente o seu desejo. A morte é tão banalizada quanto importante para compreender de que modo esse filme quebra paradigmas.
O próprio conceito de “casamento” é alvo de alterações drásticas, pois é um ideal vivido apenas por Oiwa, enquanto Iemon se aproveita dessa ilusão para transformar sua parceira em um acessório que ilustra estranhamente o seu conforto. Até que as necessidades mudem, toda forma de amor é banalizada e o extremismo sentimental em alguns momentos potencializam a atmosfera de fábulas, aliado justamente com a fotografia de Tadashi Nishimoto que se tornou, posteriormente, famoso por trabalhar em diversos filmes do Bruce Lee como O Vôo do Dragão (1972) e Jogo da Morte (1978).
Se o casamento nasce através do erro, a desestabilização emocional do protagonista é representado em uma decisão interessante do diretor em enquadramentos que aprisionam o personagem, principalmente dentro de casa, mas também externamente em momentos pontuais. Colunas que dividem dois personagens ou mais e com isso seus ideais, enfim, os objetos e cenários são organizados perfeitamente para criar uma sincronia com o desenvolvimento.
“Te levarei para ver os fogos ano que vem”
São promessas vãs que tornam esse filme um exemplo de obra que incomoda, no primeiro e segundo ato somos obrigados a observar a degradação e no terceiro, quando surge a paranormalidade, tendemos a olhá-lo sob muita naturalidade, afinal, a maldade se encontra nos homens que, por medida egoísta, violam os direitos básicos de uma moça inocente. Sendo assim, as alucinações (culpa) vêm em forma de morte, transitando pela imoralidade e apontando com exatidão os erros de Iemon. Parece doer cada interrogação do porquê de tal conduta, pois mesmo que ela encontre as respostas, sua vida fora tomada e sua face desfigurada.