Censura vs liberdade no Cinema: botão para pular cenas de sexo?
Censura versus liberdade no Cinema: um botão para pular cenas de sexo?
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Censura versus liberdade no Cinema: um botão para pular cenas de sexo?

Deixou de ser novidade que o conservadorismo tem tomado de conta não apenas da nossa vida política, como já é pauta constante em várias discussões sociais. A mais recente aconteceu essa semana nas redes sociais, quando várias pessoas passaram a demonstrar o desejo de que existisse um botão para pular cenas de sexo em filmes e séries. O assunto se estendeu, ainda, para palavrões e demais cenas que pudessem causar certo incômodo nos espectadores. Decerto que cada um deve ter o direito de se expor ou não a uma cena que gere desconforto, afinal ninguém deve ser obrigado a nada. No entanto, não tem como não se perguntar, estaríamos nós retornando à estaca zero da censura no audiovisual?

É de se questionar também, quando a liberdade de escolher aquilo que queremos ver, na realidade não passa de um discurso moralista. É claro que existem filmes e séries que utilizam cenas de sexo de forma apelativa, encarando a sexualidade de seus personagens como uma verdadeira muleta. No entanto, é inegável que em tramas centradas na descoberta da sexualidade de seus personagens (como em muitos filmes de Coming of Age), em tramas voltadas para relacionamentos, no geral, e também das que tratam de parafilias, por exemplo, o sexo é tudo menos descartável. Vide filmes como Os Sonhadores (2003),  Ninfomaníaca (2013), Showgirls (1995), A Professora de Piano (2001) e tantos outros filmes, em todos esses o sexo é não apenas parte da trama, como sem ele nada faria sentido.

Em muitos filmes, o sexo desenvolve conflitos e nos ajuda a perceber certos traços da história ou do comportamento de determinados personagens de uma forma diferente que, na ausência de uma cena como essa, poderia ficar completamente fora de contexto. Além disso, falar abertamente sobre sexualidade, um assunto que por anos permaneceu um tabu na sociedade, dentro do audiovisual, é nos libertar de pensamentos conservadores que estiveram conosco durante anos. Regressar a esse tema como algo que não deve ser visto, escancara ainda mais esse novo conservadorismo que vêm tomando de conta das nossas discussões políticas e sociais.

Em 2022, qualquer argumento que contribui para a censura acaba abrindo espaço para o retorno de questões que já deveríamos ter superado, em termos sociais. Desde o início dos anos 20, Hollywood já sofria com a censura de uma sociedade conservadora. Em 1930, a censura foi oficializada através do Código Hays. Em 1934, o apelidado “Hitler de Hollywood”, ativista religioso Joseph Breen, mandou deletar cerca de 40 closes do seio da atriz Jane Russell do filme O Proscrito (1941). E assim foi até meados dos anos 60, quando a censura foi oficialmente derrubada. De lá pra cá, o Cinema hollywoodiano finalmente esteve livre para tratar da sexualidade em tela. E isso, por si só, já deveria ser comemorado – não revivido.

No entanto, um dos possíveis motivos para esse pensamento conservador ter retornado é o de que estamos diante da geração que comprovadamente transa menos, desde 1920. O fenômeno, apelidado de “apagão sexual”, é muito estudado por especialistas que têm tentado explicar porque na geração onde o sexo é mais amplamente discutido e esclarecido, os jovens têm optado por não fazê-lo. E agora, aparentemente, nem querem vê-lo. Mesmo que nossas músicas, dancinhas e tudo o mais, sejam essencialmente sobre o tema. Na rede social mais querida pelos jovens atualmente, o TikTok, o que não falta são exemplos de danças e músicas em alta cuja letra abrange uma vastidão de termos sexuais. Mas, do outro lado dessa mesma moeda, temos discussões sobre a qualidade de filmes, livros e séries que abordam sexo de forma recorrente, como se estes fossem menos interessantes e de menor qualidade.

Em um dos artigos mais interessantes que li nesses últimos anos chamado “Everyone is beautiful and no one is horny” (traduzido para algo como: todo mundo é bonito e ninguém tem tesão), eu vejo uma possível explicação para que a geração atual venha se posicionando tão fortemente pela ausência de sexo no audiovisual: a massiva dessexualização que corpos tem sofrido em tela. Nesse texto, RS Benedict vai questionar a presença cada vez mais frequente de pessoas belíssimas (especialmente em filmes de super heróis e demais blockbusters), mas todas genuinamente sem interesse sexual umas pelas outras. E a maioria, na verdade, de tão perfeitos nem parecem serem humanos. É ausente o elemento do desejo, embora todos estejam mais impecáveis do que nunca.

Morre o erotismo daqueles corpos vistos em filmes dos anos 80, nasce a total esterilização do corpo – e às vezes até mesmo do ambiente. No artigo, ainda se questiona sobre os padrões estéticos de beleza atuais que requerem não raro altas restrições calóricas – o que, cientificamente, causa perda da libido. Com o retorno do padrão dos anos 2000 nos últimos tempos, por exemplo, a restrição calórica se torna mais comum que nunca nas redes. De Kardashians a supermodels, a perfeição da “magreza” é a mais desejada. Os corpos perfeitos estão em alta, as pessoas desejam isso, mas não querem a sexualização. O conservadorismo que escala no mundo se relaciona perfeitamente com o desejo cada vez maior de recusa do sexo, um puritanismo aplicado também ao Cinema.

Portanto, muito embora estejamos diante de um dilema liberdade versus censura, todos temos o direito de pular cenas que nos deixam desconfortáveis. O ponto, nesse artigo, não é obrigar que todos estejamos 100% confortáveis com tudo que vemos, afinal pular determinadas cenas é uma reação comum. Mas, quando abrimos a caixa de pandora para exigir um instrumento como esse aplicado a streamings, por exemplo, é difícil saber o que é liberdade e o que é apenas um discurso moralista e perigoso. Abordar sexualidade no audiovisual ajuda que o assunto seja entendido como algo comum – porque é. Desejos são desejos, a repressão sexual é algo que já convivemos por tempo demais, regressar à estaca zero significaria uma perda imensa. Para todos.

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