Crítica: Crimes of the Future - Festival de Cannes 2022
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Crítica: Crimes of the Future – Festival de Cannes 2022

Boas ideias, quando não bem executadas, são apenas boas ideias. Quantas vezes bons diretores, bons escritores, bons artistas, em um modo geral, deixaram de nascer por não executarem propriamente as boas ideias? Quando a genialidade não é demonstrada em sua melhor forma, deixa de ser tão genial assim. Inquestionavelmente, David Cronenberg deve ter tido boas ideias quando escreveu o roteiro de Crimes of The Future, há pelo menos sete anos. O problema, no entanto, aparece quando o diretor decide passar essas ideias para a tela. Em frames por segundo, o que estamos a contemplar é, na verdade, um caos. Um brainstorming desorganizado e inconsistente, inábil em se fazer entender. Embora Crimes of The Future ainda seja uma viagem bizarra dentro da sua mente e esteja longe de ser um péssimo filme, ainda marca um retorno fraco do diretor de A Mosca (1986) e Videodrome (1983) ao seu ponto teoricamente mais forte, o body horror.

O filme começa bem, até. O assassinato de uma criança pela própria mãe é uma cena impactante que provoca em nós um misto de nojo e medo. Mas, à medida que se desenvolve, o impacto daquela primeira cena vai se esvaindo das telas e as tentativas de nos provocar emoções vão ficando cada vez mais fracas (o que inclui performances com múltiplas orelhas até uma autópsia com vísceras expostas) .Primeiramente, o protagonista do filme interpretado por Viggo Mortensen é pouco aprofundado, e o mesmo acontece com a sua relação com Léa Seydoux, o que faz com que a sua motivação, até o fim do filme, seja totalmente desinteressante para nós. Segundo, não é difícil entender a mensagem subliminar por trás dessa sociedade futurística, onde a body art é elevada ao extremo. Alguns diálogos sobre beleza interior, liberdade artística, dores físicas e emocionais, dentre outros assuntos, levam Crimes of The Future ao caminho mais preguiçoso que poderia tomar: recorrer a diálogos expositivos para explicar aquilo que as imagens não conseguem.

O diretor não consegue transmitir as boas ideias que possivelmente estavam no roteiro (ou mesmo apenas na sua mente), para as imagens e o resultado é apenas um: desordem. Enquanto o sexo, as vísceras, o horror e tudo o mais que os fãs já conhecem por ser a marca registrada do autor estão presentes naquele universo, nem mesmo seus pontos mais fortes são o suficiente para traçar um caminho mais claro para o filme – ou mesmo para traçar qualquer caminho. A trama investigativa da história é desinteressante, embora seja uma tentativa clara de despertar uma espécie de reflexão sobre o possível papel do Estado frente aos ditos crimes do futuro, cometidos dentro desse cenário futurista onde o mundo está cheio de transgressores que fazem da arte, uma expressão em si mesmos.

Enquanto o protagonista dialoga com o policial em meio a encontros noturnos secretos, do outro lado tem a escolha de performar sua arte mais controversa até o momento – mas que irá lhe custar uma difícil decisão ética. É até difícil colocar uma sequência lógica dos acontecimentos de acordo com a motivação dos personagens, porque fica tudo tão impreciso que resta recorrer a uma interpretação completamente abstrata de onde o diretor queria chegar. Fato é que, minuto após minuto, Cronenberg parece empilhar uma ideia em cima da outra, como quem brinca de jenga e torce para que uma das peças não caia resultando em completo desastre. Quanto mais próximo do fim, mais nítidas ficam as tentativas do diretor de tentar “colar” pedaço por pedaço desse caos, diálogo por diálogo. Mas, naquele momento, já era tarde demais.

A personagem de Kristen Stewart, no entanto, não decepciona e é uma das mais interessantes personagens da obra. Sua forma apressada de falar, sua obsessão cômica pelo personagem de Viggo Mortensen e sua investida nele repetidas vezes em um espaço comprimido acaba sendo uma das cenas mais divertidas do filme. Talvez, se mais personagens fossem como ela, o filme teria mais dimensão e não seria tão difícil de se conectar com ele. A desconexão, para me fazer clara, não significa indiferença. Cronenberg jamais faria um filme indiferente. A questão central é que aqui, mesmo o que nos provoca, parece não estar a serviço da narrativa. E, porque isso acontece, uma história que tinha tudo para ser interessante é prejudicada por uma construção que parece jogada ao vento.

Meu palpite é que Cronenberg tinha, sim, boas ideias, mas confiou tanto que apenas isso faria um bom filme que o resultado foi mediano. E mediano, para a filmografia do diretor, é apenas ruim. A lição que ficou para mim, na primeira vez em Cannes, vendo que um dos filmes mais aguardados do Festival, quando colocado ao lado de outros filmes não tão falados, foi incrivelmente fraco, é de nutrir baixas expectativas e estar pronta para um impacto negativo mesmo daqueles que quase ninguém apostaria que podia dar zebra.

  • Nota
3

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