Protagonizado por Monica Iozzi, “Mar de Dentro” chegou aos cinemas
O filme “Mar de Dentro”, protagonizado por Monica Iozzi e dirigido por Dainara Toffoli, estreou na última quinta-feira, dia 7 de abril, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Porto Alegre. O filme conta a história de Manuela (Monica Iozzi), uma profissional de sucesso que, ao se descobrir grávida de um colega de trabalho, tem de lidar com a transformação de seu corpo e sua vida. Em meio a tantos desafios, ela se defronta com uma fatalidade que afetará ainda mais seu destino. Quando o bebê nasce, ela tem de aprender a ser mãe mesmo sem gostar, a priori, da maternidade.
Leia a crítica do filme na cobertura da Mostra de São Paulo
Mais de uma década atrás, quando começou a pensar no longa que viria a ser “Mar de Dentro”, a diretora e corroteirista Dainara Toffoli foi questionada inúmeras vezes se a maternidade, em si, daria um filme. “Queriam saber qual seria a trama, qual seria a grande história. Para a maioria das pessoas, falar sobre maternidade não seria suficiente. Foram muitos anos para conseguir o financiamento”, conta a cineasta. “Percebi que a maternidade real, não idealizada, era um tema tabu. Mas eu precisava falar sobre isso e tinha uma intuição forte de que as mulheres iriam se identificar. Não é à toa que a Eliane Ferreira, produtora do filme, é mulher e mãe. Desde o início, sentíamos a mesma urgência. E esta parceria foi muito importante para que não desistíssemos depois dos inúmeros nãos”.
A protagonista Monica Iozzi, cada vez mais se destacando como atriz e surpreendendo quem a conhece apenas da comédia, aponta “Mar de Dentro” como um começo em busca de outros gêneros em sua carreira. “Quem me conhece da novela na televisão nunca me viu nesse outro registro. Então deverá ser uma surpresa pra quem me acompanha. Mas acho que devo deixar claro que gosto sim de fazer humor, que sou muito grata a tudo que o humor me proporcionou até agora”.
Para a atriz, o fato de ser uma história que mostra uma mulher que vive uma situação limite a atraiu muito para o projeto. “O primeiro ponto que me chamou a atenção é que a Manu não tem o perfil que estamos acostumados a ver das mulheres. Ela é uma mulher que realmente adora o trabalho, bem sucedida e muito exigente. E ela também tem uma relação livre com um cara e está tudo bem com isso também. Então, me atraiu muito poder mostrar uma mulher assim com um olhar mais contemporâneo”.
Dainara, que assina o roteiro com Elaine Teixeira, acredita que há muita solidão e, até mesmo, um luto na maternidade. “Chegamos do hospital com um bebê no colo e uma dura e solitária rotina desaba sobre nossas cabeças. Para a sociedade, a mulher grávida ou com criança pequena é um certo fardo destituído de suas antigas capacidades. Assim, quando a mulher decide ter um filho, ela precisa saber que é uma rotina que vai enfrentar, na maior parte das vezes, sozinha. A licença paternidade é de cinco dias. Um bebê exige 24 horas de atenção. Ter um filho custa caro e não há uma rede de apoio. Quando vemos, estamos tentando dar conta de tudo e abrindo mão das nossas aspirações. Com tanta idealização, o que sobra para a mulher é cobrança, cansaço e um sentimento de culpa constante”.
A produtora Eliane Ferreira aponta que “Mar de Dentro” traz uma outra visão sobre a maternidade, comumente romantizada no cinema. “Ou é a maternidade excessivamente idealizada, em que o filme normalmente acaba quando o filho nasce. É a realização de ser mãe, ‘pronto, consegui, sou feliz para sempre’. Ou é algo retratado totalmente fora do padrão, problemática. Mas acredito que esta repetição de abordagem possa ter a ver com o fato de o cinema ter sido feito, por muito tempo, majoritariamente por homens. O olhar masculino sempre foi tão dominante que, mesmo para as mulheres que fazem cinema, talvez falar sobre maternidade desta forma realista como fazemos em aqui, ou em outras abordagens de outros projetos de cinema, poderia parecer fragilidade”.
O equilíbrio entre força e doçura é uma das chaves da narrativa de “Mar de Dentro”. Ainda que a situação financeira de Manuela seja confortável, ao encarar a maternidade praticamente sozinha em uma cidade que mais isola do que une as pessoas, ela vive um processo crucial de autodescoberta. Em vez de romantizado, o processo de se tornar mãe é visto com humanidade e com todas as contradições que ele traz.
Além da maternidade em si, o filme discute outras questões relacionadas ao tema, como a vida profissional da mulher que acaba de ter um filho, ou o desejo e o prazer feminino. “Este é um filme de mulheres. Há dez anos ninguém falava sobre isso. Tateamos um lugar que depois se tornou mais que um assunto, virou uma luta. Foi um processo duro, mas recompensador”, finaliza.
Monica, por sua vez, acrescenta que, apesar de ter a mulher e assuntos relacionados com ela, ao centro, “Mar de Dentro” é um filme que deve ser visto também pelo público masculino. “Há alguns temas que são difíceis de interessar aos homens porque para a grande maioria são questões que pertencem ao universo feminino única e exclusivamente. Há a velha questão do pai que é um puta paizão se ele troca uma fralda ou a do ‘meu marido é ótimo, ele me ajuda tanto.’ Mas acho também que tem uma coisa que talvez esse filme consiga furar um pouquinho, que é essa bolha. Isso porque realmente não é uma história que vai na linha de ‘que linda a maternidade’. Tem outras questões”.
Desde sua estreia na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o filme recebeu diversos elogios. José Geraldo Couto, no site do Instituto Moreira Salles, escreveu que o longa tem “narrativa eficiente […] que faz aflorar questões sobre o lugar da mulher numa sociedade machista”. Isabel Wittmann, em Estante da Sala, diz que “O ponto forte do filme está nos pequenos detalhes: nas rotinas, nas descobertas, nas delicadezas, na forma como mostra como cada pessoa tem um palpite, mas, no final, o que resta é a solidão da mãe e suas escolhas, ainda que em um contexto tão privilegiado”.
Luiz Zanin, de O Estado de S. Paulo, escolheu “Mar de Dentro” como um de seus longas favoritos do festival: “Um tratamento simples e honesto sobre a questão da maternidade. Em meio a muitas firulas e poucos resultados, o cinema brasileiro (pelo menos pela amostra apresentada), esse tipo de obra, que deseja se comunicar sem baratear suas ideias, merece ser destacado. É melhor que muito filme-cabeça pretensioso”.