Crítica: A Tragédia de Macbeth (2021)
Direção e roteiro: Joel Coen
Elenco: Denzel Washington, Frances McDormand, Brendan Gleeson, Corey Hawkins, Kathryn Hunter, Harry Melling, Alex Hassell, Bertie Carvel.
Produção: Joel Coen, Frances McDormand, Robert Graf e Catherine Farrell
Edição: Lucian Johnston e Joel Coen
Fotografia: Bruno Delbonnel
Direção de Arte: Jason T. Clark
Figurino: Mary Zophres
Música: Carter Burwell
Ótima estreia solo na direção do renomado Joel Coen, que, juntamente com seu irmão Ethan Coen, dirigiu obras singulares do cinema, como: “Gosto de Sangue” (1984), “Arizona Nunca Mais” (1987), “Fargo” (1996), “O Grande Lebowski” (1998), “Onde os Fracos Não Têm Vez” (2007) e “Bravura Indômita” (2010), adaptando com muita força uma célebre obra de William Shakespeare.
“A Tragédia de Macbeth” é inovador e surpreendente, mesmo com três adaptações marcantes feitas para o cinema: “Macbeth – Reinado de Sangue” (1948). Dirigido por Orson Welles), “Trono Manchado de Sangue” (1957. Dirigido por Akira Kurosawa) e “Macbeth” (1971. Dirigido por Roman Polanski), além de uma versão de 2015, estrelada por Michael Fassbender e Marion Cotillard, e dirigida por Justin Kurzel.
Três bruxas dizem a Macbeth (Denzel Washington) que ele será rei. Esta previsão é o suficiente para que ele e sua esposa Lady Macbeth (Frances McDormand) se precipitem em ações sanguinárias que o levará ao poder máximo. Assassinando um rei e quem mais estiver em seu caminho (inclusive amigos próximos), Macbeth não vê limites em sua insana jornada. Porém, tamanha ambição tem seu preço. Macbeth e Lady Macbeth aos poucos se vêem atormentados por remorsos e dúvidas.
“A Tragédia de Macbeth” é um texto primoroso e um dos mais complexos do bardo inglês. Um exemplo da genialidade da peça: Em um certo momento, Macbeth reflete sobre a seguinte questão: Se a previsão é que ele será rei, então qual a necessidade ele teria em apressar sua chegada ao trono? Mas, se ele não agir, como ele terá certeza que tudo ocorrerá de acordo com a previsão? Bastaria ele esperar de braços cruzados? Talvez no fundo ele não confiasse tanto naquelas bruxas que ele próprio abomina, mas aceita a palavra delas porque isto o satisfaz.
Macbeth, porém, não iria adiante em seus métodos nada aprováveis sem os conselhos e a ajuda de sua esposa Lady Macbeth. Esta, demonstrando ter, de início, uma grande força e maior equilíbrio que Macbeth, aos poucos vai sendo derrotada pelo o estado de fragilidade e medo do marido que vai sucumbindo a intensos tormentos. Estes e outros elementos são soberbamente explorados por Joel Coen.
Um diretor qualquer escolheria o caminho mais fácil, se desviando e anulando algumas partes mais difíceis daquela que é a mais curta das cinco grandes tragédias de Shakespeare. Joel joga tudo para o expectador, não diminuindo e nem deixando de lado, mas dando maior força e sustento aos seus personagens. Aqui, Macbeth é castigado pelos seus atos, mas ele persiste e jamais parece ceder. O texto original é seguido quase à risca, com os diálogos sem adaptações modernas que facilitem para o público atual (em boa parte não acostumado com os textos poderosos do autor inglês).
Macbeth não é o primeiro papel shakespeariano na carreira de Denzel Washington. O ator interpretou Don Pedro em “Muito Barulho por Nada” (1993. Dirigido por Kenneth Branagh). Mas é como Macbeth que Denzel mostra toda a sua força em um personagem shakesperiano. Ele imprime garra e autoridade no papel-título. Com um simples olhar, entendemos o que ele quer, o que ele está sentindo, o que ele pretende fazer. É sua melhor interpretação em anos. Frances McDormand (esposa do diretor) também está excelente em uma personagem complexa, de várias camadas e sentimentos. Destaque também para o belíssimo trabalho de composição de Kathryn Hunter, interpretando a bruxa com maestria e originalidade.
O cenário é outro show à parte. Diferente das versões de Polanski e Kurzel, onde a ambientação transborda detalhes, tanto interno quanto externamente, em “A Tragédia de Macbeth” o que vemos é o “vazio” dominante. O castelo, com suas imensas paredes, portas e janelas, contém poucos objetos de decoração, deixando mais espaçoso a ida e vinda de seus moradores e convidados, tornando ainda mais aterrador e sombrio todo aquele painel de ambição e violência.
Com um formato de tela tradicionalmente chamado de 4×3 (ou formato quadrado das antigas TVs e filmes clássicos), a ótima fotografia do francês Bruno Delbonnel (“O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, “O Destino de uma Nação”) é primorosa e hipnotizante. Pelas lentes de Delbonnel, todo aquele caos se transforma em poesia. Joel Coen, ao adaptar Shakespeare, se cercou dos melhores profissionais. O resultado não poderia ser nada menos que excelente.