Crítica: Receba! – Cine PE 2021
Receba! – Cine PE 2021
Sinopse: Amadeu precisa de dinheiro, ele e Gina estão numa enrascada com agiotas. O destino lhe sorri quando o coloca de cara com uma bolsa recheada de um conteúdo tão valioso quanto ilegal. Amadeu esconde a bolsa, mas logo depois morre atropelado, antes de encontrar a namorada. Agora, Gina precisa descobrir o que aconteceu com Amadeu. Além de Gina, há mais gente à caça de Amadeu, da bolsa e da pequena fortuna contida nela: o perigoso chefe do crime local e seus melhores capangas – um policial corrupto com medo de sangue e sua parceira que está parando de fumar. Fechando o quebra-cabeça, um rapaz inocente que, na hora e no lugar errado, acaba no olho do furacão.
Direção: Pedro Perazzo e Rodrigo Luna
Roteiro: Pedro Perazzo
Produção: Flávia Santana, Isolda Libório
Direção de Fotografia: Matheus da Rocha Pereira
Montagem: Renato Gaiarsa, AMC
Trilha Sonora: Andrea Martins, Ronei Jorge
Edição de Som: Napoleão Cunha
Direção de Arte: Raquel Rocha
Figurino: Dayse Barreto
Elenco: Edvana Carvalho, Daniel Farias, Jackson Costa, Evelin Buchegger, Leandro Villa, Narcival Rubens, Lúcio Tranchesi, Tânia Toko, Fábio Osório
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Presente na Mostra Competitiva de Longas Metragens do Cine PE, o filme Receba! se revela como uma produção de exploitation através da forma como povoa sua narrativa com arquétipos presentes nos filmes B policiais. Temos a dama fatal, os policiais corruptos, o bandido com coração de ouro, o chefão do crime, e o “cara comum”, esse último frequentemente envolvido sem querer na salada de acontecimentos vista aqui. Receba! é fiel também aos tropos do gênero, como o mistério dos assassinatos ao estilo “who dunnit”, que dão ponta pé aos eventos que transcorrem no decorrer da projeção. Mas o caráter dessa exploração de convenções do gênero em que se está inserido ou das figuras que habitam a narrativa se eleva além de um mero exercício de estilo (ainda que o filme o faça), já que os diretores Pedro Perazzo e Rodrigo Luna se aproveitam dessa consciência fílmica para povoar sua trama com personagens cômicos e peculiares, seja na escalação do elenco, com figuras de feições faciais marcantes como as do policial corrupto vivido por Jackson Costa, ao coadjuvante que propõe uma petição muito particular no prédio em que vive, passando pelas próprias idiossincrasias destas figuras, definidas mais por jargões e características de personalidade excêntricas (que se tornam, também, em combustível para piadas de situação ou desconforto) do que por um desenvolvimento maior como personagens bem definidos e multidimensionais.
Dessa exploração de convenções – e tentativas, por parte de seus diretores, de subvertê-las – temos uma obra que claramente se influencia por um cinema de exploitation particular da geração Quentin Tarantino e Guy Richie, uma mistura de Pulp Fiction com Snatch e Jackie Brown, algo que fica claro não só pela narrativa de eventos desorganizados que acompanham os excêntricos personagens desse mundo até que suas histórias se encontrem, mas pelos próprios diálogos e interações das pessoas vistas aqui.
O filme de Perazzo e Luna se eleva quando abraça os absurdos, insistindo em situações desconfortáveis como uma longa piada, como se tentassem extrair o máximo possível de cada situação, à beira do farsesco. Quando esses absurdos se encontram em sintonia com as atuações, temos os melhores momentos de Receba!, um filme de direção segura e decupagem de planos que fortalece o humor que cada cena pede, ora em planos abertos e estáticos (como aquele em que os policiais corruptos comem amendoim ou numa cena de discussão dentro do carro), ou em efeitos chicotes na câmera (a revelação de um terceiro elemento que não sabíamos que se encontrava presente no cômodo de determinada cena).
No entanto, quando o longa pretende extrair momentos genuínos de emoção e empatia de um drama mais singelo de seus personagens, o filme fica perto de implodir pelo contraste. Isso fica muito evidente quando olhamos para a atuação de Edvana Carvalho como Gina. É uma atuação de grande eficácia, que funcionaria melhor num filme que tratasse os dilemas e reviravoltas presentes na narrativa de forma honesta. Nesse sentido, há uma deficiência na direção de atores, pois em mais de uma ocasião existe essa dicotomia tonal no tom das atuações, que parecem saídas de filmes diferentes e quase sabotam a obra. Comparando as atuações de Edvana com Evelin Buchegguer (a policial corrupta e assassina de aluguel), temos um exemplo claro disso: enquanto a primeira foi instruída para acreditar veemente na jornada de sua personagem, uma jornada honesta de efeito dramático muito potente, a segunda (junto de outros personagens) parece estar ciente do exploitation exercido aqui, ciente de que está numa farsa.
Por isso, talvez, a comparação com Jackie Brown seja a mais oportuna, se compararmos os elementos do enredo e os pontos de virada no roteiro que envolvem esse dinheiro sujo e a mulher preta envolvida nessa situação. O problema é que existe essa falta de equilíbrio dos elementos trabalhados aqui. O maior exemplo: em determinado momento de Receba!, após inúmeros absurdos e uma entrega a comicidade das situações vistas aqui, o filme inclui uma cena dramática com potencial honesto e catártico que foi recebido com risadas público presente na sessão do Cine PE, no Teatro do Parque. Eles já tinham sido ganhados pela farsa, foi isso que o filme entregou a eles, e recuperar uma honestidade dramática aos 45 do segundo tempo já não era opção.
O plano final consegue ser eficaz pela força da atuação de Edvana Carvalho, mas com dificuldade: durante esse filme exploitation, onde temos a exploração de convenções de um gênero específico de forma muito consciente e bem-humorada, temos também a intenção de um registro das tristezas e sofrimentos com intenção honesta. Nessa chave, esse sofrimento também fica a beira de se tornar instrumento inofensivo de uma exploração.