Crítica: O Cão que Não Se Cala – 45ª Mostra de São Paulo
O Cão que Não Se Cala – Ficha técnica:
Direção: Ana Katz
Roteiro: Gonzalo Delgado, Ana Katz
Nacionalidade e Lançamento: Argentina, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Sebastian é um homem comum. Já na casa dos 30 anos, ele dedica seu tempo ao seu cão fiel e trabalha em uma série de empregos temporários. Enquanto caminha de forma intermitente pela idade adulta, o mundo é abalado por uma catástrofe inesperada.
Elenco: Daniel Katz, Julieta Zylberberg, Carlos Portaluppi, Susana Varela, Renzo Cozza, Valeria Lois.
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Quatro estranhos conversam numa roda, de baixo da chuva, enquanto estão num quintal. Seus guarda-chuvas se batem de forma cômica, enquanto discutem sobre um cachorro que não para de chorar há tempos e agoniza a vizinhança. Uma mulher e sua ajudante realizam uma reunião de trabalho com um funcionário referente ao mesmo cachorro, que o sujeito levava para o trabalho, pois o animal não pode ficar sozinho. Uma pandemia abate a civilização, que deve utilizar uma bolha de contenção ao redor da cabeça, ou andar agachada, pois o vírus transmitido pelo ar só tem efeito da cintura pra cima.
Tais momentos, presentes em O Cão Que Não se Cala (El Perro Que No Calla), vencedor do Big Screen Award no Festival de Roterdã e presente na Perspectiva Internacional da 45ª Mostra de São Paulo, possuem em comum o fato de estarem envoltas de uma aura de absurdos. Nenhuma das pessoas presentes nessas cenas comenta essa absurdez contida nas situações transcorridas no filme. Dirigida por Ana Katz e coescrita pela mesma ao lado de Gonzalo Delgado, a obra pretende retratar um mundo repleto de excentricidades (contadas de forma igualmente excêntrica) que foram normalizadas pelas figuras que o habitam. O protagonista é Sebastian (Daniel Katz), e acompanharemos esse mundo em constante mutação através do ponto de vista do sujeito.
As mudanças temporais ocorrem de uma cena pra outra, algo que é perceptível apenas por mudanças visuais de Sebastian como cortes de cabelo. O tom de absurdo apenas se eleva, enquanto vemos o protagonista pular de emprego em emprego, vivendo uma situação mais aleatória que a anterior. Não se sente algum tipo de progressão emocional do protagonista ou mesmo algum fio narrativo que ligue os eventos que se transcorrem, sem conexão entre si. A mensagem que Katz quer trazer parece ser algo envolvendo os absurdos e aleatoriedade da própria vida, e a falta de personalidade de Sebastian, descrito na própria sinopse como “um homem comum”, pode vir como um indício de que ele é apenas um avatar vazio para que a audiência se projete no mesmo.
Porém, através desse protagonista apático que não reage aos excêntricos eventos transcorridos nesse mundo, o que se tem é um efeito semelhante em quem assiste a O Cão Que Não se Cala. É curioso que o evento em que se registra alguma emoção do personagem venha justamente através de ilustrações projetadas na tela, após um evento trágico envolvendo o cão do título. Assim, fica a questão do que a diretora queria provocar ou dizer sobre o nosso mundo ou o simulacro do mesmo, nessa narrativa de absurdos normalizados que são aqui potencializados para causar um efeito quase satírico.
Nosso cotidiano de fato se tornou um amontoado de absurdos que se tornaram banais, mas a obra de Katz carece de energia. A fotografia, assinada por Gustavo Biazzi, Fernando Blanc, Marcelo Lavintman, Joaquín Neira e Guillermo Nieto, que cuidam de cada segmento, cada “esquete”, é lavada por um preto e branco que parece sugerir a ideia desse mundo sem surpresas, um mundo literalmente cinza, onde nem mesmo os eventos fantásticos parecem afetar a dormência das figuras que habitam este universo.
O incômodo dessa crítica, no entanto, não é sobre o desejo de que o filme entregue algo que ele não se propõe. O problema é justamente que as tentativas de humor excêntrico, o humor observacional que o filme propõe nunca consegue de fato engrenar ou cativar, pois O Cão Que Não se Cala se encontra nessa dissonância do ponto que quer provar. Sem uma figura consciente da dormência coletiva vista aqui, que poderia apontar essa absurdez de forma mais clara, temos apenas uma obra de relatos sem conflitos ou humor, sem muito propósito como os seres que a habitam. Uma obra que poucas vezes causa algum sentimento mais forte ou algum tipo de empatia por alguém presente nela, e que ganha algum valor mais pelas reflexões pós-filme, como podemos ler no texto do escritor Daniel Cury, do que por algum mérito impresso no filme em si. É um filme que merece créditos mais pelas discussões interessantes que incita, do que por méritos de sua execução, insossa.