Crítica: Armugan - 45ª Mostra de São Paulo - Cinem(ação)
Armugan - 45ª Mostra de Cinema de São Paulo
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Crítica: Armugan – 45ª Mostra de São Paulo

Armugan – Ficha técnica:
Direção: Jo Sol
Roteiro: Jo Sol
Nacionalidade e Lançamento: Espanha, 2020 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Em um vale isolado nos Pirineus Aragoneses, a lenda de Armugan faz parte do imaginário local. Ela conta que Armugan se dedica a uma profissão terrível e misteriosa que ninguém se atreve a nomear. Dizem ainda que Armugan se move pelos vales agarrado ao corpo de Anchel, seu fiel servo, e, juntos, compartilham o segredo de um trabalho tão antigo quanto a vida, tão terrível quanto a própria morte.
Elenco: Gonzalo Cunill, Iñigo Martínez, Núria Lloansi, Núria Prims.

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Há um clima de luto predominante no espanhol Armugan, presente na Perspectiva Internacional da 45ª Mostra de SP. Se isso parece evidente pela própria sinopse do filme de Jo Sol (El taxista ful, Fake Orgasm), onde um misterioso homem ajuda indivíduos a fazerem a passagem para a morte, essa sensação já se estabelece antes mesmo de sabermos exatamente o papel daquele que atende pelo nome de Armugan (Íñigo Martínez).

Acompanhamos, nos minutos iniciais, a rotina do personagem-título e seu fiel servo, Ánchel (Gonzalo Cunill). Vemos o humilde casebre no qual ambos vivem, em um vale isolado nos Pirineus Aragoneses. Possuindo algum tipo de deficiência óssea, Armugan rasteja pelo solo, brincando com as ovelhas do pequeno rebanho que Ánchel pastora. O ajudante dá banhos de caneca em Armugan, que depois é colocado nas costas de Ánchel para se locomover. A comunicação verbal entre os dois é quase inexistente, mas sabemos que estas figuras se conhecem há muito, num elo emocional que é fortalecido pelo silêncio e a forma que este é filmado. Sol e seu diretor de fotografia Daniel Vergara optam por planos longos num preto e branco de contrastes que atribui um tom meditativo para a obra, como se cada gesto ou olhar possuísse o peso do mundo, principalmente nas costas de Armugan, uma noção que é fortalecida pela constante respiração pesada do ator que o interpreta, Íñigo Martínez. Por vezes vemos Armugan e Ánchel nessa rotina sem fazer algum tipo de contato visual, no semblante cansado e melancólico de ambos.

Após essa introdução da rotina, Armugan e Ánchel são visitados à noite por uma mulher. Praticamente não trocam palavras com ela, nem entre si. Eles se arrumam de forma quase ritualística, e são levados de carro até uma casa. Nela, encontramos algumas pessoas claramente abatidas em tristeza. Enquanto o ajudante espera com o resto da família, Armugan é deixado num quarto com um senhor em leito, no final de sua vida. Sol é muito eficaz em investir, também, num certo mistério: tais eventos são filmados sem que o filme nos dê muito contexto, revelando, aos poucos, o que acontecerá a seguir: Armugan será uma espécie de doula (mulheres que auxiliam em partos) às avessas, ajudando o senhor que vemos deitado a fazer a passagem para a morte, para o além.

É interessante como existe no filme essa sensação folclórica, uma lenda criado pelo diretor, em que temos a figura que possui uma espécie de dom místico, e é carregada por seu servo. Sob as lentes de Daniel Vergara – com o preto e branco da fotografia – as paisagens das montanhas, em segundo plano, enevoadas, se assemelham a pinturas, transmitindo uma sensação expressionista que vem mais forte com os jogos de sombras, principalmente nas cenas noturnas ou no interior do casebre onde os protagonistas vivem.

Eventualmente Armugan e Ánchel são confrontados, como numa fábula, com um dilema moral. Mais do que isso: no conflito que se instaura quando uma mãe pede para que Armugan conduza seu filho doente para a morte (numa cena que, nessa chave da câmera que toma seu tempo para revelar os detalhes da trama, nos mostra apenas no último segundo que se trata de uma criança), temos um dilema acima de tudo existencial.

A obra, então, se adentra em discussões tanto vocais quanto crípticas sobre a natureza da vida e da morte, na divergência ideológica e religiosa entre os dois protagonistas. O filme se beneficia de momentos como aquele em que ele retrata um fluxo de pensamento de Armugan, e podemos ter um vislumbre da psique do personagem e como ele vê o mundo. As ovelhas se significam, com o som diegético dos sinos em seus pescoços que rompem o silêncio daquele local inóspito e trazem desconforto.

Enquanto Ánchel acredita que a eutanásia daquela criança a libertará de uma existência de dor, Armugan acredita que cada segundo de vida é um privilégio, apontando a contradição de sua existência aparentemente miserável, com sua gratidão por estar vivo. Mas essa gratidão não é externada com uma espécie de felicidade, já que frequentemente Armugan encara sua própria existência como um fardo e questiona o porquê de ainda estar vivo.

É dito em determinado momento de Armugan: “A vida sempre zomba de você. Faz confundir o fim com o começo”. Assim, na confraternização final, temos closes nos rostos marcados das figuras vistas ao decorrer do filme, no fim e começo, com uma trilha sonora musical predominante que evoca sentimentos que vão desde triunfo, a resignação. É o luto pela morte, mas também pela vida.

  • Nota
3

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