Maio Laranja – Precisamos conversar sobre o Abuso de Menores
O Mês de Maio é chamado de Maio Laranja, e marca o mês de combate ao abuso de crianças e adolescentes. Dia 18 de maio é o dia de combate ao Abuso de Crianças e Adolescentes. Precisamos conversar sobre isso!
Olá meus amigos do Cinem(ação)! Hoje preciso falar sério com vocês! A cada 1 hora mais de três crianças no mínimo sofrem abuso sexual. E grande parte desses abusos ocorrem dentro de casa e por pessoas conhecidas, que a criança confia. Segundo dados do Disk 100 (Disque Direitos Humanos – Disque Denúncia Nacional), 11% das denúncias feitas são referentes a abuso sexual de menores, um número preocupante! Por esse motivo, o mês de maio é chamado Maio Laranja, e o dia 18 de maio foi escolhido como o dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data busca sensibilizar e informar a sociedade para ações que garantam à crianças e adolescentes o direito de uma vida livre do abuso e exploração.
Mas infelizmente, esse assunto tão sério e urgente, ainda é um tabu para sociedade. Infelizmente pessoas públicas que revelaram que sofreram abusos sofrem ataques nas redes sociais, como foi o caso do humorista Marcelo Adnet, da apresentadora Xuxa e a Ministra Damares Alves, só para citar alguns. Esses ataques acabam por atrapalhar o diálogo. Afinal as pessoas pensam: “se os famosos falam que sofreram abuso sofrem ataques e são humilhados nas redes sociais, eu vou sofrer o mesmo ou ainda pior se eu revelar que fui abusado”. E esse é o maior problema, a única arma contra o abuso sexual de menores é o diálogo, e sem diálogo, a luta está perdida. Só para terem uma ideia, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, até o mês de setembro de 2020 foram denunciados 26.416 casos de violência contra crianças e adolescentes, isso inclui violência física, psicológica e sexual, o número exato dos casos específicos de abuso sexual não consegui encontrar, mas no ano de 2019 o número foi de 17 mil ocorrências. E isso são casos que foram denunciados, imagina os que não foram? E por conta da pandemia, as crianças ficam mais tempo em casa, e aqueles que muitas vezes verificam mudanças nas crianças, os professores, não têm contato com elas. Então podemos imaginar que esse número pode ser muito maior. Por isso que a iniciativa do Maio Laranja é tão importante, afinal o diálogo é extremamente necessário.
Mas infelizmente abuso e sexo é ainda um grande tabu na sociedade. Em uma sociedade com falso moralismo e falso conservardorismo, que é onde nós nos enquadramos, a palavra sexo é proibida em muitas casas. Conversar sobre sexo e abuso é assunto proibido, falar sobre isso é algo impensável, e é aí que mora o perigo. A única arma contra o abuso é o diálogo. E o Maio Laranja está aí para isso. Mas como falar de abuso, se quando alguém fala que sofreu é julgado e sofre ataques? Como falar de uma coisa que causa uma ferida tão profunda e dolorida? É aí que as artes entram! O cinema é uma ferramenta muito útil para começar o diálogo sobre abuso de menor, e assim proteger nossas crianças de perderem sua infância e sua inocência. Então aproveitando o Maio Laranja, vamos conversar sobre o abuso infantil!
Spotilight – Os bastidores
Quando falamos a respeito de Abuso de Crianças e Adolescentes no cinema, o primeiro filme que vem a mente é Spotlight: Segredos Revelados. Quando esse filme ganhou o Oscar, acho que eu fui um dos “poucos” que celebrou a sua vitória. O filme ganhou o Oscar de Melhor Filme em cima de Mad Max – Estrada da Fúria, e isso fez com que muitos criassem um ranço contra o filme de Tom McCarthy. Eu concordo em gênero grau e número que Mad Max, é mais cinema que Spotilight, mas a vitória do filme de Tom McCarthy, foi uma vitória importante e necessária! Mas porque?
Em um mundo ideal, todas as pessoas assitiriam todos os filmes. Mas sabemos que a grande maioria das pessoas só assistem os filmes que ganharam o Oscar de Melhor Filme. O Oscar, para grande maioria das pessoas, é parâmetro de qualidade. Se Spotilight não tivesse ganhado o Oscar provavelmente passaria despercebido do grande público. E o filme é necessário! No filme um grupo de jornalistas investiga o abuso de crianças por padres católicos, acobertados pela Igreja. Eles conseguem reunir documentos que podem provar os crimes cometidos e o envolvimento de líderes religiosos que tentaram ocultar os casos.
Embora o filme foque na investigação dos jornalistas, ele retrata entrevistas feitas com as vítimas dos abusos. E ao assistir a dramatização dessas entrevistas, conseguimos ver a dor das vítimas de abuso. Conseguimos enxergar as consequências de um abuso infantil em adultos. Reconstruir a vida após o abuso é uma luta, e não são todos que coseguem. Muitos acabam se tornando viciados, violentos, e infelizmente, muitos acabam seguindo o mesmo caminho do abusador, ou então se matam. Isso cria em nós uma sentimento de empatia, e dá um clique: “será que quero isso para meu filho? Quero que meu filho carregue esse trauma por toda sua vida?” Com esse raciocíno, ficará bem mais fácil de os pais tomarem coragem e conversar com seus filhos. Além disso, o filme dá um alerta: os abusadores podem ser quem menos a gente imagina. Muitas vezes são pessoas que confiamos, pessoas sérias e de grande renome na sociedade. Então pais: conversem com seus filhos ajudem eles a entender que ninguém pode tocar eles. Não importa quem seja, não importa o que prometam, ensinem eles a falar não. Não importa a idade de seus filhos ensinem eles que ninguém pode tocá-los e se tentarem, ensinem-os a falar com vocês! Deixem a linha de comunicação aberta!
As Vantagens de Ser Invisível e O Quarto de Jack – As consequências
Enquanto Sportilight retrata uma investigação e os bastidores do abuso de crianças, temos dois filmes que retratam muito bem as consequências de um abuso nas vítimas. Os filmes em questão são O Quarto de Jack, que coincidentemente concorreu ao Oscar de Melhor Filme com Spotilight, e o outro filme é As Vantagens de Ser Invisível, que inclusive ganhou um texto escrito por mim por ocasião do Setembro Amarelo, agora o filme volta por ocasião do Maio Laranja. Em ambos os filmes vemos o quão devastador são os traumas causados por alguém que sofre abuso. No caso desses filmes eu tratarei de assuntos referentes ao desenrolar da trama, ou seja, terá spoilers. Se você não tiver assistido aos filmes e não quiser saber detalhes da trama, pulem os próximos dois parágrafos.
Em As Vantagens de Ser Invisível, conhecemos Charlie um garoto introspectivo, com transtornos de ansiedade e sem amigos, cujo único amigo morreu no último ano após se matar. Ele faz amizade com o grupo dos “excluídos” da escola e a partir daí começamos a conhecer os problemas dele. Em dado momento, ao fim do filme descobrimos que Charlie foi abusado por sua tia, e tudo faz sentido. Assistir ao filme após saber desse detalhe nos dá outra perspectiva da história, pois agora tudo faz sentido. Já em O Quarto de Jack, conhecemos Joy que foi sequestrada ainda adolescente, foi trancada em um porão e engravidou de seu sequestrador após abusos. Após anos no cativeiro ela consegue fugir e passa a ter que conviver com o mundo ao seu redor e com os traumas do cativeiro e dos abusos sofridos. E em ambos os filmes temos uma coincidência, o estresse que eles passam devido aos traumas são tão grandes que eles tentam suicídio. Charlie ao que tudo indica por tentar cortar o pulso e Joy por ingestão de medicamentos.
Esses dois filmes destacam bem como que alguém que sofreu abuso é profundamente afetado. Em ambos os casos as vítimas tentam ter uma vida normal, estão em negação. Mas de forma diferentes. No caso de Charlie, ele reprimiu o abuso, se tornou um adolescente introspectivo, cujo único amigo que faz no primeiro dia de aula é o professor. Ele está se recuperando de uma crise logo após a morte de seu melhor amigo, e talvez fosse o único que sabia do que aconteceu com ele, talvez até o amigo tenha sofrido abuso. Mas o fato de reprimir esse ocorrido, e até se culpar pelo que aconteceu e com isso com a morte da tia, Charlie entra em colapso, e quase tira sua vida. No caso de Joy, a pressão de não aceitar ser vítima e tentar ter uma vida normal faz com que seu estresse chegue ao ponto de ela achar que a única coisa que vai tirar sua dor, seu sofimento é a morte, e ela tenta tirar sua vida. E infelizmente esse é um retrato do que acontece muito. As vitimas de abuso muitas vezes sofrem tanto com a dor, que acham que a única solução para acabar com a dor que estão sentindo é a morte. Sentem uma culpa tão grande que nem conseguem lidar com isso. Na cabeça das vítimas único caminho certo para acabar com a dor é acabar com tudo! Mas não é!
Agora quero falar com você, vítima de abuso: Você não tem culpa de nada! Você é vítima! Aceite ajuda! Fale com outros, converse! A única coisa que vai amenizar sua dor é falar. Converse com seus pais, converse com um amigo de confiança, bote pra fora o que está sentindo. A dor de sofrer um abuso é muito grande e muito pesada para carregar sozinho(a). Então compartilhe com alguém o que está sentindo. Não finja que está tudo bem, que não tem nada. Peça ajuda! E se alguém oferecer ajuda, e for alguém confiável, aceite! A vergonha, a dor é grande, mas não é porque você está procurando ajuda que todos vão saber. Então busque ajuda, não carregue essa dor sozinho(a)! Compartilhe com alguém sua dor. Tudo vai ser mais fácil! Pode ter certeza disso.
E aqui vai um alerta aos pais: conversem o quanto antes com seus filhos sobre isso. Charlie sofreu abuso quando tinha 5 a 6 anos de idade. Nunca é cedo demais para falar sobre isso com seus filhos! Converse com eles. O diálogo é a única arma contra o abuso infantil!
Sobre Meninos e Lobos – A Comunidade
Quando se fala em como a comunidade é afetada e encara as vítimas de abuso, podia muito bem falar de O Quarto de Jack também, mas acho que nenhum mostra de forma tão clara como a comunidade fica, e como a vítima é tratada quanto Sobre Meninos e Lobos. No filme conhecemos três amigos Dave, Sean e Jimmy. Dave é sequestrado e sofre abusos sexuais, eles separam depois disso. Quando se tornam adultos a filha de Jimmy é assassinada. Sean, que agora investigador da polícia, é encarregado do caso, cujo principal suspeito é Dave, tudo porque sofreu abuso quando era criança.
Embora Sobre Meninos e Lobos mostra as consequências do abuso na vítima quando adulto, resolvi colocar o filme aqui para falar da comunidade. É incrível como as coisas mudam, e como alguém que sofre abuso é visto de forma diferente pela comunidade que o rodeia após o ocorrido. O filme não fica muito no passado, mas da pra ver um pouco como a comunidade fica quando alguém é abusado. Quando Dave volta para casa, o que vemos são pessoas que repetem um para o outro o que aconteceu, com frieza as pessoas falando do que ocorreu. Falam e falam, mas não tomam uma ação ou uma atitude para ajudar aquela mãe, aquela criança. Quando se torna adulto, todos olham para Dave com desconfiança. O tratam como louco, como alguém anormal, como uma pessoa não tem condições de ter uma vida normal. Isso fica claro na forma como olham pra ele, com pena, com nojo, com desprezo. Todos que olham pra ele o julgam. E isso só faz com que Dave tenha mais dificuldades de conviver com os fantasmas do seu passado. Qual o resultado? Ele se torna o principal suspeito de um crime. Tudo porque? Porque sofreu um abuso e todos apontam pra ele!
E é isso que a sociedade faz! E é por isso que o Maio Laranja é tão importante! A pena por alguém que sofreu um abuso é normal. Mas não é isso que a vítima precisa, ela não precisa da sua pena, ela precisa do seu apoio e da sua compreensão. É interessante notar que quando alguém fica sabendo que uma pessoa sofreu abuso fala: “Ah! Tadinho! Coitado!”. O pior é quando culpam a vítima: “Isso é poque usa roupa curta! Aconteceu isso porque fez o que não devia na internet!”. Mas não é isso que a vítima precisa. Ela precisa do seu apoio, sua compreensão! Falar isso vai apenas piorar tudo. É interessante que Dave quer apenas levar uma vida normal! Mas a comunidade ao seu redor não colabora. Todos lembram que ele é o garotinho que sofreu abuso e por isso é visto com desconfiança. Aqui eu volto a Joy de O Quarto de Jack, ela também queria apenas seguir em frente, mas ninguém permitia, pois sempre lembrava isso. O mesmo acontece com Dave, a todo momento dão um jeito de lembrar o que aconteceu. Isso o lança em um espiral de sofrimento difícil de aguentar. E isso também acontece na vida real. E assim como no filme, na vida real o final às vezes é trágico.
Então queridos amigos do Cinem(ação), se você conhecer alguém que sofreu abuso, não fique com pena, não fica falando ‘tadinho’, ‘que dó’, não fale ‘se fosse eu não sabia o que faria’, isso só dificulta a vida da vítima. O que ela ou ele precisa de você é seu apoio e sua compreensão. Não faça piadas com isso, não aponte o dedo, não julgue a vítima. O que a vítima mais quer é esquecer o que aconteceu e seguir em frente! Ajude-o, não fale sobre o abuso se ele não quiser. Falar só vai expor a cicatriz. Então, converse sobre coisas boas, fale coisas positivas. Esteja pronto para ouvir. Dê apoio a família! Não fique igual carniceiros querendo saber o que aconteceu, não julgue os pais que não tomaram conta direito do filho, isso só piora tudo! A culpa não é da vítima e muito menos dos pais, caso eles não sejam os abusadores claro. Os pais são tão vítimas quanto os filhos. Então seja consciente, seja compreensível! Eles precisam de apoio e compreensão, e não de julgamento! Apoie, compreenda, ouça! Esse é o caminho.
Confiar – A Proteção
O último filme que irei abordar nesse texto, sobre o Maio Laranja, é talvez o filme mais necessário para combater o abuso infantil, Confiar, filme um tanto desconhecido de 2010, mas que mostra como o diálogo é a melhor arma contra o abuso. No filme conhecemos Annie, uma jovem que ao entrar em uma sala de bate-papo, conhece um garoto chamado Charlie e rapidamente envolve-se virtualmente com ele. Mas na verdade Charlie não bem quem diz ser.
Quando falo que Confiar é essencial para o Maio Laranja, é porque no filme trata de um assunto necessário: o diálogo entre pais e filhos como melhor arma contra o abuso de menores. No filme, vemos como que Annie se envolve com ‘Charlie’ e fica no seu mundo, e se afasta de seus pais. Talvez se houvesse um bom diálogo entre eles, falando claramente sobre sexo e os perigos da internet tudo poderia ser diferente. A verdade é que muitos pais até tentam, mas acham dificil falar com os filhos. Mas o esforço vale muito apena! O futuro de sua família está em jogo!
E Confiar mostra isso perfeitamente. A família é quase destruída por conta do abuso sofrido pela filha. Tudo se desmorona, e com muito esforço começa a se refazer. Mas imagina se os pais tivessem sentado com Annie e explicado os perigos da Internet, das salas de bate-papo e das redes sociais? Tudo poderia ter sido diferente. Mas às vezes a gente pensa: “isso nunca vai acontecer comigo!”. E deixamos esse papo para depois, se é que temos! Mas pais ESSA CONVERSA É NECESSÁRIA. Conversem com seu filho. Senta com ele, explica que ninguém pode tocar nele, explique os perigos das redes sociais, não repreeenda ele se ele perguntar sobre sexo, não ignore ele, tire tempo para conversar com ele. Isso pode significar a salvação do seu filho e de sua família. Afinal como podemos ver no filme Confiar, um abuso afeta toda a família e pode até acabar com ela. Então converse com seus filhos. Sua família e seus filhos agadecem!
Ah! Aqui vale mais um alerta: o abusador pode ser quem menos você imagina. No filme Confiar, o abusador é um homem casado, pai de família com filhos e professor. Ou seja, não pressuponha que isso nunca vai acontecer com sua família, pois o abusador está onde você menos imagina. Então converse com seus filhos e proteja sua família! A única arma contra o abuso é o diálogo!
Maio Laranja
O Maio Laranja é uma iniciativa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos marcado pelo combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. O objetivo da campanha Maio Laranja é levar informações à população e, principalmente, aos profissionais do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), que atuam de maneira mais direta com o público infanto-juvenil. Essa é uma iniciativa necessária, uma vez que 52% dos casos de exploração, violência ou abuso sexual ocorrem dentro da casa da vítima, e que apenas um em cada 10 casos é notificado às autoridades. A cada hora pelo menos 3 criança ou adolescente sofrem vilolência sexual. Temos que mudar esse cenário. O Maio Laranja está aí para conscientizar, afinal a única arma realmente eficiente para o combate ao abuso infantil é o diálogo!
Precisamos conversar sobre o Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes essa é arma contra esse crime! Denuncie qualquer abuso pelo Disk 100. Faça Bonito! Proteja nossas crianças e adolescentes!