Crítica: O Buscador – Novo Cine PE 2020
Ficha técnica:
Direção: Bernardo Barreto
Roteiro: Bernardo Barreto & Martin Preusche
Nacionalidade e Lançamento: Brasil (Cine PE 2020)
Sinopse: Isabela (Mariana Molina) é filha de um poderoso político e cresceu cercada de todo tipo de luxo. Porém, ao se apaixonar pelo líder de uma comunidade sustentável e que prega amor livre, ela deixa sua vida de confortos para trás. Quando, quatro anos mais tarde, ao tentar se reaproximar da família, ela descobre que seu pai está envolvido em um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil, Isabela precisa enfrentar os fantasmas de seu passado. Elenco: Pierre Santos, Mariana Molina, Débora Duboc, Mário Hermeto, Aline Fanju, Bruno Ferrari, Luiz Felipe Mello, Erom Cordeiro, Monique Alfradique.
O Buscador, ficção de encerramento do Novo Cine PE 2020 e primeiro longa-metragem do ator Bernardo Barreto, parece inserido entre um poço de ambição e uma espécie de zona de conforto dos temas que pretende abordar. Isabela (Mariana Molina) parte, junto de seu companheiro amoroso Giovani (Pierre Santos), para uma festa de família na casa de seus pais, após quatro anos distante, morando com o parceiro numa comunidade sustentável “hippie”, artística, que prega o amor livre. Na festa, Giovanni é confrontado com realidades e ideologias totalmente diferentes das suas, que já estiveram bastante presentes na vida de Isabella. Cada um dos membros desta família representa um estereótipo da elite burguesa do país, desde o empresário ao melhor estilo “coach”, da madame que não trabalha e é viciada em cocaína, completo com a influencer das redes sociais. Inclua uma tensão racial, já que os mordomos e empregadas são todos pretos. Inclua também um escândalo de corrupção, já que o pai de Isabela está lidando com seu envolvimento em um – completo com uma multidão enfurecida fazendo protestos do lado de fora da casa.
Ainda por cima, o filme é filmado como um grande plano-sequência, com a escalação das situações para fora de controle acontecendo quase em tempo real. De fato, não se pode dizer que o filme de Barreto não é ambicioso. Temos tempo até mesmo para discussões sobre doutrinas religiosas e o poliamor, já que “O Buscador” também tenta ser um filme de relacionamento amoroso. A linha entre a ambição e a pretensão é muito tênue, e isso está atrelado diretamente essa suposta “zona de conforto” mencionada no começo do texto.
“Zona de conforto”, porque a obra pretende fazer dessa família um microcosmo dos mal-estares contemporâneos do país, mas sua exploração nunca parece sair do voyeurismo, como se o simples relato tivesse a intenção de enfurecer mas nunca com propostas de discussões que saiam do lugar-comum. Se o filme fosse uma sátira completa, ou inserisse algum tipo de humor além do irônico, poderia funcionar nessas ideias, mas a inserção de claros elementos dramáticos que deveriam escancarar a complexidade da situação e provocar emoção genuína por Isabela e Giovanni implode, pois tudo ao redor é tão superficial, tão cartunesco.
A escolha pela filmagem em “plano-sequência” enfatiza isso e, mesmo que instaure certa ansiedade e incomode com eficácia, contradiz todo o resto. Sabemos que os jargões proferidos pelos integrantes da família (temos quase todos, desde o “a empregada está com a família há anos”, até o “gentalha” que alguém solta em algum momento, entre uma degustada de caviar e gole de champanhe) são considerados clichés por serem reais e uma infeliz repetição da vida real, mas sem a pausa no ritmo para assimilação destes momentos, temos apenas a ânsia de capturar quase que de forma masturbatória a maior quantidade deles possíveis, ao ponto em que eles ousam se tornar banais.
Um dos maiores exemplos desse exagero que beira ao cartunesco é aquele em que o pai de Isabela, o “chefe da quadrilha” que é essa família, pede para o neto tocar no piano sua música preferida. A música? O Hino nacional. É claro que essa é a música preferida dele, é claro que é. Ao mesmo tempo, do lado de fora, os outros integrantes jogam, enquanto discutem sobre negócios, mini-golfe. É claro que jogam, é claro. Se vivemos numa era em que o próprio mundo real está cada vez mais se aproximando de um enredo que parece saído de uma “sátira fraca (temos vilões cartunescos no poder de nossas instituições)”, estamos falando aqui de um filme, e a forma como essas críticas vêm até nós precisa possuir algum tipo de poder de efeito, nessa renegação de uma sátira completa e a predileção pelo dramático.
A resolução emocional do filme é tão abrupta e artificial que acaba ofendendo. Ofende na jornada de Isabela, que foi durante o filme inteiro apenas uma espectadora silenciosa definida pela culpa burguesa e pelo fato de não querer ter filhos (!), e ofende na forma que resolve questões que o filme pretende discutir (a racial particularmente incomoda, todos acabam sendo usados como instrumentos – inclusive sexuais – para provar algum tipo de ponto maior, e depois tirados de cena sem alguma resolução ao papel deles), resumindo-os a problemas familiares mal resolvidos entre pais e filhos. Ao “buscador” do título, Giovani, retratado como um santo e nunca questionado, apenas a passada de mão na cabeça.
Porque “O Buscador” possui muitas ambições, e só por isso ele já merece créditos, mas é impossível não ter uma sensação incômoda dentro do outro “incômodo” que esse filme pretende ser, um #CinemaDenúncia, um #CríticaSocialFoda, mas que acaba em momentos sendo apenas risível, como se feito apenas para a satisfação do burguês no lado oposto do espectro político criticado aqui, que após ver o filme e ir pra casa se olhará no espelho, congratulará a si mesmo por estar do lado certo, e poderá deitar a cabeça no travesseiro para dormir com a consciência limpa.
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