Crítica: Mulher Oceano – Novo Cine PE 2020
Ficha técnica:
Direção: Djin Sganzerla
Roteiro: Djin Sganzerla e Vana Medeiros
Nacionalidade e Lançamento: Brasil (Cine PE 2020 )
Sinopse: Recém chegada a Tóquio, uma escritora brasileira busca escrever seu novo livro, instigada pela última imagem que viu no Brasil: uma nadadora em mar aberto que parecia se transformar no próprio oceano. Elenco: Djin Sganzerla, Kentaro Suyama, Stênio Garcia, Lucélia Santos, Gustavo Falcão, Rafael Zulu, Jandir Ferrari
Hannah é escritora, e está no Japão à procura de inspiração para escrever seu livro. Do outro lado do mundo, ligações de sua mãe e de seu marido. Nestas ligações, perguntas que envolvem, por trás das preocupações, cobranças. “Quando você volta?”; “Estou com saudades”. Nessas conversas, a sugestão de uma crise matrimonial. Para os questionamentos de seu marido aparentemente contidos, mas que escondem desespero, Hanna responde: “pra quem está comigo há tanto tempo, parece que você nem me conhece.” Talvez nem ela se reconheça mais, e por isso está em Tóquio, numa fuga para se encontrar.
Ana é nadadora e vive no Rio de Janeiro. Diante de um desafio atlético, se encontra numa batalha contra seu corpo, com dores físicas que parecem fruir de seu inconsciente. Quando recebe uma promoção no emprego que a levará para uma cidade sem praias – algo que nunca foi uma possibilidade para ela -, os conflitos internos se agravam, e portanto, também, os físicos.
Ana é a personagem do livro de Hannah. E ambas estão em crise.
As duas mulheres, escritora e persona (gem) são ligadas pelo mar e a conexão inexplicavelmente forte que possuem com ele. Do lado de fora das telas, a terceira mulher: Djin Sganzerla, que interpreta as duas protagonistas do filme que marca também sua estreia em direção de longas-metragens. Djin, também, se conecta com o mar.
“Eu tenho realmente um mar dentro de mim”, confessa Sganzerla na sessão de debates virtuais do canal Cine PE 2020 no Youtube. “Sou uma pessoa que sonha semanalmente com o mar, tenho uma relação muito profunda com o mar”.
“Mulher Oceano” é um estudo de personagem mas também uma espécie de exploração do que se manifesta entre as linhas tênues na relação da arte com o artista. Suas pulsões, desejos e angústias. Isso reverbera até mesmo pela fotografia de André Guerreiro Lopes, conduzida pontualmente de formas que se assemelham a um documentário, na câmera inquieta que parece seguir – entre foques e desfoques em momentos que soam naturais não ensaiados – suas protagonistas nas ruas por onde andam, à procura de sentido e respostas. Desse caráter de documentário extraído principalmente nas cenas de Tóquio, as linhas entre criatura e criador são borradas ainda mais, e é como se acompanhássemos também Sganzerla, pesquisando locações para o filme que assistimos em tempo real.
O filme, no entanto, tem seu tempo para composições e enquadramentos mais elaborados, repletos de alegorias, construindo imagens que refletem a inadequação das duas perante o mundo ao redor, que parece, constantemente, engolir as protagonistas, minúsculas no quadro. É nas cenas que envolvem o mar, porém, que temos a calmaria, e nesses momentos – também através dos enquadramentos e sobreposições de planos – Hannah e Ana se tornam gigantes, se unificam com o mar.
Ainda que possua um texto poético e narrações em off predominantes, que nos ajudam a entrar na cabeça de Hannah e entender um pouco mais do que se passa dentro dela, são nessas imagens que “Mulher Oceano” ganha força, imagens que são auto explicativas na serenidade contida no rosto das protagonistas (principalmente de Ana) quando em contato, de alguma forma, com esse mar que purifica e acolhe, e isso pode soar tão vago porque, de fato, o oceano tem um significado para cada um de nós, e parte da beleza na jornada de sua protagonista é a não compreensão exata deste “fenômeno”.
Em determinado momento do filme, Hannah escuta de seu “guia (Kentaro Suyama)” e colega que também é escritor: “Escritores como nós, estamos sempre dançando à beira do abismo”. Ela responde: “E se você não se jogar neste abismo, ele se torna mais profundo.”
Quando essas mulheres se jogam no abismo, temos as catarses e o auto preenchimento, e a frase marcante da protagonista é mais do que sobre processos criativos. Como se Hannah, Ana e Djin, nesse borrão de realidades intra e extra-filme, dissessem: se a correnteza te puxa, às vezes você só deve se deixar levar, na imensidão de si próprio.
Confira nossa cobertura do Cine PE
Confira a segunda crítica do filme, escrita pelo autor Daniel Cury para a 44a Mostra de São Paulo