Crítica: Mosquito – 44ª Mostra de São Paulo
Antes de me debruçar sobre o filme Mosquito, preciso dizer que a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é incrivelmente surpreendente. Poderia dizer que a Mostra é como uma caixinha de surpresas. Muitas vezes julgamos uma produção pela “capa” ou pelos seus prêmios e deixamos de dar atenção aos filmes menos badalados.
Mas o que faz a Mostra de SP ser incrível é ser pego de surpresa ao assistir longas-metragens de diferentes lugares do globo e se deparar com narrativas fantásticas, as quais, trazem um pouco da história desses países e seus povos. Com um olhar cinematográfico diferente das grandes produções que estamos acostumados a ver.
Nesse início de tarde mergulhei na narrativa de Mosquito. Longa-metragem de guerra português, dirigido por João Nuno Pinto. Este é apenas o segundo longa do cineasta moçambicano, residente em Portugal desde os 5 anos de idade. E foi de suas raízes que o diretor escreveu sua história.
O roteiro de Mosquito é baseado na história real do avô do cineasta, que durante a Primeira Guerra Mundial foi enviado a Moçambique para combater na guerra contra os alemães, os quais ocupavam parte colônia portuguesa.
Para escrever este texto fui atrás de informações sobre a relação de exploração entre Portugal e Moçambique, para tentar compreender melhor a história narrada no filme. Mas desde já, afirmo que, na minha percepção o não conhecimento histórico do conflito em Moçambique não atrapalha na compreensão da trama e seu desenvolvimento. Porém, eu particularmente procuro entender o contexto da narrativa não só para assimilar todas as ideias do longa, mas para ter maior base para escrever.
Um breve contexto histórico
Os portugueses chegaram em Moçambique em 1498 e pouco tempo depois o território se tornou uma colônia portuguesa. Ao longo dos séculos seguintes os portugueses exploraram as riquezas e a mão de obra escrava, assim como no Brasil. No final do século XX, países como Inglaterra e Alemanha tinham grande interesse nos territórios portugueses na África. Quando eclodiu a Grande Guerra, a maior preocupação de Portugal era garantir a preservação de seu império colonial no continente africano.
Durante esse período, Portugal enviou mais de 20 mil soldados para Moçambique para combater os alemães. De acordo com historiadores morreram mais portugueses em Moçambique do que na frente europeia.
O filme
É nesse ponto que nosso personagem central da trama se encaixa. Zacarias, um jovem português de 17 anos, abandona sua família, se alista ao Exército e embarca rumo a Moçambique, para combater a invasão alemã.
Cheio de um orgulho nacionalista Zacarias sonha com o front de batalha, porém, antes de apertar um gatilho ele contrai malária e é deixado para trás pelo seu pelotão. Zacarias então parte sozinho pela floresta em busca de alcançar sua companhia. Ao longo de sua viagem precisa lidar com as alucinações e os efeitos da doença.
Mosquito possui uma ideia narrativa muito semelhante com filmes com 1917 e O Regresso. Ao longo de sua jornada em busca de aventuras e glórias ele precisa lidar com a solidão, a fome e a quase loucura humana. Apesar de se tratar de um filme de guerra, a maior luta é dentro da cabeça de Zacarias, que precisa encarar seus preconceitos e frustrações.
Sem diálogos expositivos o espectador precisa mergulhar na narrativa à procura de respostas para as questões que vão surgindo ao longa da trama. Tudo é muito metafórico e abstrato, mas é evidente a intenção do cineasta em abordar o escuro passado colonial de Portugal em Moçambique. Seja com nas relações com os nativos como no preconceito enraizado.
O trabalho de atuação de João Nunes Monteiro, como Zacarias, é uma das peças-chaves para o resultado final. Porém, a direção de fotografia e som fazem um ótimo trabalho para dar vida e cor as cenas. A alucinação, a confusão mental, as frustações são transmitidas com precisão. Contudo, vale ressaltar que um dos principais pontos fortes do filme é abordar parte da história da colonização africana quase invisível.