Festival de Brasília cancelado e retaliações sem sentido
A semana cinematográfica no Brasil se inicia com o anúncio do cancelamento da edição de 2020 do Festival de Cinema de Brasília, o mais tradicional do país e tendo edições canceladas somente durante a Ditadura Militar.
O fato é curioso e me causa certa estranheza com o momento dessa decisão, afinal, semana passada tivemos a aprovação da Lei de Emergência Cultural pelo Senado e a liberação certa de recursos para todos os Estados e o DF. Então, o que de fato podemos tirar disso?
Taxar como mais uma perseguição à cultura seria muito pouco quando de fato é, algo grandioso e que demonstra por A + B o recado que o atual governo quer passar para o setor cultural, e a motivação pode ser justamente a aprovação da lei que prevê auxílio emergencial.
Em entrevista ao Correio Braziliense, o secretário de Economia Criativa fala em contingenciamento de gastos devido ao Covid-19, não cita a Lei de Emergência Cultural e dá uma declaração bem aberta e passível de muitas interpretações sobre uma suposta conversa com as plataformas de streaming.
Qual seria o teor dessa conversa? Em que as plataformas poderiam ajudar o Festival? Patrocínio? Apoios? Ficamos sem saber, de fato, o que ele quer dizer com isso, e aqui reside um grande problema.
A falta de uma regulação do mercado do streaming no Brasil, não só faz com que a cadeia de produção audiovisual venda sua força de trabalho por uma única remuneração e espaço mínimo no catálogo, como também faz com que o possível patrocínio ao festival mais importante do país nunca aconteça.
Há quem defenda que a Netflix é plena amiga do setor depois do auxílio emergencial dado a categoria no Brasil, mesmo que ele tenha sido pautado nas rígidas regras das associações e sindicatos do país e tenha deixado muitos técnicos de fora de conseguir esse dinheiro.
O auxílio é importante, mas nunca benevolente, e é um jeito muito claro de tirar a obrigatoriedade das mãos do Estado, fazendo muitos acreditarem na ajuda privada, além de contribuir para que uma regulação nunca seja sancionada, afinal, a empresa está “ajudando”.
Esse pensamento também pode ter se passado pela cabeça do secretário, isso se ele realmente se reuniu com os dirigentes dessas plataformas e propôs alguma coisa – tudo nesse governo sempre precisa de um pouco de desconfiança.
No entanto, ainda que tenha atingido essa conversa, precisamos nos lembrar que o streaming ainda não se vê obrigado em colaborar com o nosso mercado, para eles vale apenas mais um conteúdo no catálogo.
É importante que vejamos esse cancelamento como uma retaliação, uma ajuda ao setor que nunca pode chegar, mesmo que a Lei de Emergência Cultural garanta a destinação dessa verba sem ter que passar pelos homens com poder da caneta, isso já não os cabe mais.
O momento pede resistência para a classe artística de Brasília – que já se adiantou e emitiu uma carta de repúdio com intuito de ser divulgada nos principais canais sobre Cinema – e muita vigilância em acompanhar a destinação desses recursos no meio estadual e municipal. Mais do que nunca é obrigação e direito termos mais uma edição do Festival de Brasília.
Retaliações sem sentido e um vício constante em querer dominar verbas que são nossas e que colocamos lá com o dinheiro gerado pelos nossos trabalhos, provando que nada é de graça.
Lembram-se da inoperância da qual a Secretaria Especial de Cultura foi idealizada ainda no governo Temer? Hoje ela está completa e não é a única na América do Sul.
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Foto da capa: Fabio Rodrigues Pozzebom – Agência Brasil