Encarcerados! Personagens em Presídios.
As histórias são fortes. Envolvem fracasso, luta e muitas vezes uma necessidade de se rebelar. Alguns revelam uma leve fraqueza para o crime. Estão todos sozinhos, enfatigados, ávidos por uma razão para continuar vivos. Mulheres, homens, jovens, grávidas, noivas ou o cara cuja irmã é sua melhor amiga. Presidiários incluem todos os perfis, pois não há uma só pessoa que esteja imune de cometer um crime, seja por acidente, intencionalmente ou por legítima defesa. Fazer o motor funcionar. Perder a cabeça. Soltar os demônios sempre. Perigoso é quando isso se torna uma sentença perpétua. Por várias vezes o cinema tentou legitimar o sofrimento por trás das grades. As péssimas condições do sistema carcerário, incluindo alimentação e carcereiros perversos.
Vários diretores mostraram o que acontece no dia a dia das celas. Em uma única cena, várias facetas. Várias personalidades. Em um único roteiro, tantas pessoas retratadas, boas e ruins ou que acabaram por se tornar ruins por acidente. Em uma cena de perseguição, muitos destinos traçados. Carros de polícia e suas sirenes. Saia do carro, mãos ao alto, entra na patrulha! O rebelde que resiste até o acidente fatal ou o tiro final. Na linha do trem, o movimento contínuo e o carro que se recusa a parar. Sirenes de ambulância e o choro desesperado da irmã. Tudo isso está em “San Quentin” (1937. Dir: Lloyd Bacon), onde Humphrey Bogart é o criminoso Joe “Red” Kennedy e Ann Sheridan (May) é a irmã que nunca deixa de acreditar.
Ela acompanha o noticiário pelo rádio e namora o tenente Steve (Pat O’Brien), que trabalha no famoso presídio. Ele vai fazer de tudo para salvá-lo, em nome da paixão que sente por May. Kennedy é o amor da vida dela. É o irmão que provavelmente ela cresceu protegendo das tentações do crime, na infância e adolescência. Mas agora a vida de criminoso e o destino em San Quentin faz parte da vida de Joe. Mesmo assim desistir do irmão significa desistir dela mesma. Acontece que o personagem de Bogart não porta só um revólver: ele é um espírito livre. Espíritos livres preferem sucumbir a terminar seus dias num presídio. A ação que vemos durante todo o filme é o espírito de Joe Kennedy e sua vontade de viver, mesmo que ele tenha que agir contra a lei.
Assim também é a personagem de Jan Sterling em “Women’sPrison” (1955. Direção: Lewis Seiler). Ela, como Brenda Martin, é a alma viva e fluida da ala feminina de onde está presa. Tanto sua luta em relação à Helene (Phyllis Thaxter) quanto a revolta pelo assassinato de Joan Burton (Audrey Totter) fazem deste personagem um dos elementos principais para que a psicopata torturadora Amelia Van Zandt (Ida Lupino) seja levada às últimas consequências. Amelia está em perigo iminente de sofrer represália, já que as mulheres da ala são unidas e não suportam mais seus maus tratos. Brenda, como líder e Mae (Cleo Moore) não irão sossegar enquanto aquela vida grávida e apaixonada tenha a devida justiça. Audrey Totter, sempre intensa, dá vida a Joan, uma presa que é casada com um funcionário da ala masculina do presidio, Glenn Burton, interpretado por Warren Stevens.
Existe paixão nos lugares menos imagináveis. Através da imaginação dos roteiristas, diretores, atores, todos esses sentimentos vem à tona. Alguns podem se considerar nômades. Pessoas sem casa, sem residência fixa, sem rédea. Não é muito difícil chegar a uma conclusão de como futuros presidiários vivem sem o freio imaginável e previsível da sociedade. Alguns sonham em ter uma casa e ver sua família crescer, como Joan Burton. Eles só queriam estar juntos. No inferno da prisão de Joan, isso era impossível. Mas Brenda(Jan Sterling) estava ali para tentar mudar esta situação. Sua amizade era tão genuína que queimou a própria mão na máquina de passar roupa a fim de despistar a carcereira do encontro entre os dois amantes.
Uma das personalidades mais intrigantes e interessantes da História do Cinema, Ida Lupino, além de ter construído uma carreira com versatilidade como atriz, desenvolveu seu talento muito além, como diretora. Ida foi uma feminista sem saber que era. Perguntada uma vez sobre o assunto, ela disse que o feminismo nos anos 40 e 50 não era amplamente divulgado e discutido e que ela estava apenas fazendo o seu trabalho dentro do que amava fazer. Como Amelia Van Zandt ela demonstra toda sua capacidade de atuação no segmento do drama. É psicopata que odeia as internas. Simplesmente odeia todas elas e faz da vida de todas um verdadeiro inferno na terra. Afinal, quê mais pode parecer tão assustador dentro de um presídio do que uma mulher torturadora? Ela chama uma interna como Joan, grávida, frágil fisicamente e emocionalmente e a obriga a confessar como o marido dela conseguiu passar da ala masculina para a feminina. Irrompe tapas em seu rosto, costuradas com ameaças.
É duro demais para Joan. São tantos tapas que ela não aguenta e cai inerte no chão, onde é socorrida pelo Doutor Crane, vivido por Howard Duff. Ele, o médico das pacientes é o único com coragem de dizer as verdades na cara da verdadeira criminosa daquele presídio. Amelia escuta pela primeira vez do Dr. que a doente, a psicopata não é Helene(a qual ela tortura mantendo a moça na solitária por dias, em uma camisa de força. Sem alimento, banho, nada) e sim, ela! Este é sem dúvidas um dos trabalhos mais marcantes da carreira de Lupino como atriz.
A situação não é muito diferente em “Caged” ( “À Margem da Vida”, 1950. Direção: John Cromwell). Mais uma vez temos a loira Jan Sterling como uma das internas. Dessa vez sua personagem é Smoochie, presa por prostituição. Sterling talvez seja uma das atrizes mais injustiçadas e pouco lembradas da História do Cinema. Aqui neste filme espetacular, onde a tensão emocional envolve o espectador do início ao fim, Jan está apática, pois sua personagem pede isso. A diferença entre a Brenda de “Women’sPrison” e da retratada em “Caged” mostra todo o potencial de transformação desta atriz. Smoochie não chega a ter um problema mental por sua apatia. Muito contrário: sua veia cômica junto com diálogos inteligentes faz com que o público se divirta toda vez que lê as cartas que os parentes mandam para sua personagem, no presídio.
Eleanor Parker se destaca como Marie Ellen, uma apaixonada que acaba fazendo parte de um roubo chefiado por seu marido, que acaba morto. Inocente e dócil, ela logo cai nas armadilhas da ardilosa e corrupta Evelyn Harper (Hope Emerson), uma carcereira que se aproveita dos privilégios das detentas com grana para obter-lhes privilégios, como cigarros, bebida, maquiagem e outras coisas. Ninguém que assiste ao filme sai indiferente a Hope Emerson. Ela é o mal personificado. O tipo que é capaz de qualquer coisa por seus privilégios. Marie engravidou do marido e tem o bebê dentro do presídio. Agnes Moorehead é Ruth Benton, outra atriz extremamente versátil. Aqui ela é a chefe geral do presídio. Seu ativismo de esquerda propõe que todos os criminosos têm que ser tratados como seres humanos. Ela sonha e luta por tratamento psiquiátrico 24 h por dia para as detentas, dentre outras coisas.
Este sonho se torna ainda mais forte para ela quando uma das detentas June Roberts, vivida por Olive Deering, se enforca dentro do dormitório, desesperada por não aguentar mais 1 ano de sentença. Outra atriz com um excelente desempenho é Lee Patrick, que interpreta Elvira Powell, outra interna com uma mente totalmente voltada para o impossível: a de que seu pai, já morto, irá voltar para tirá-la de lá. Ela delira e vive dentro de seu próprio mundo; seu universo particular. Mas os sonhos de Ruth Benton de uma vida melhor para as detentas é barrado pelos homens que fazem de tudo para impedi-la de concretizá-los.
Assim como em “Women’s Prison”, em “Caged” também vemos amizade, união e cumplicidade quando tudo fica sombrio demais. Uma das passagens mais difíceis do filme é a transformação de Marie Allen. Ela passa de uma jovem mocinha indefesa para uma mulher dura e amarga, que não acredita mais em sorrisos e boas ações. Não é que ela tenha se transformado em uma pessoa má, porém a cadeia a transformou. Todos os maus tratos, a tortura de Evelyn Harper, que raspou seus cabelos e a tratou pior que lixo, deixando-a numa solitária escura e úmida…tudo isso a transformou e Marie não conseguia evitar.
Amizade e companheirismo são palavras que chegam a se tornar rasas quando se trata do pungente “Em Nome do Pai” (1993, direção: Jim Sheridan). A história de pai e filho presos por engano ganhou o coração de público e crítica na época. Ricamente ilustrados pelas interpretações de Daniel Day-Lewis e Pete Postlethwaite, o filme traz os vários horrores do cárcere e barbaridades cometidas para castigar pai e filho. Não há como sair indiferente após assistir a uma produção dessas. Baseado na história real de Gerry Conlon (Day-Lewis), o inferno de Gerry começa quando é acusado erroneamente de atirar bombas em 2 bares nos arredores de Londres. Seu pai Giuseppe ( o brilhante Pete Posthethwaite) acaba sendo preso junto, acusado de terrorismo.
Através da história, Gerry vai mudando. Se antes da prisão ele era o cara que brincava com a família, com a vizinhança, atrás das grades ele é movido pela necessidade de mudança. Aprende as artimanhas com o convívio dos colegas e…também vai de uma pessoa pacata para alguém revoltado com sua prisão, até ficar completamente transformado pelo ódio, ao ver seu pai sofrendo de forma sub humana. É algo que acontece inevitavelmente quando se vive em presídios. A cadeia transforma a pessoa. Ninguém consegue permanecer doce e inocente atrás da cela. Emma Thompson, como sempre muito bem, apresenta um ótimo trabalho como Gareth Pierce, a incansável advogada, empenhada ao máximo para provar a inocência de seu cliente. Ao iniciar a experiência de assistir “Em Nome do Pai”, percebemos que estamos diante de uma das mais lindas histórias de relacionamentos entre pai e filho já filmadas.