Crítica: Cats
Cats seria muito melhor se não se levasse a sério e se permitisse o espectador rir de sua tosquice.
Ficha técnica:
Direção: Tom Hooper
Roteiro: Tom Hooper, Lee Hall
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 20 de dezembro de 2019 (25 de dezembro de 2019 no Brasil)
Sinopse: Uma tribo de gatos chamados Jellicles recebe uma nova gata, abandonada por seus donos, bem na noite em que a líder Deuteronomy escolherá alguém para ascender aos céus, posto que o vilão Macavity quer conquistar a qualquer custo.
Elenco: Francesca Hayward, Idris Elba, Laurie Davidson, Rebel Wilson, Robbie Farchild, Mette Towley, James Corden, Jason Derulo, Naoimh Morgan, Taylor Swift, Ray Winstone, Jennifer Hudson, Ian McKellen e Judi Dench.
Antes de falar sobre o filme, faz-se necessário tratar da bagunça que foi o lançamento do novo musical de Tom Hooper (Os Miseráveis, A Garota Dinamarquesa). O filme foi finalizado 12 horas antes da première mundial, no dia 20 de dezembro, data também de sua estreia. Poucos dias após a estreia, a Universal Pictures reenviou uma versão com efeitos visuais melhorados, após o filme ser criticado pela má qualidade deles.
Alguns meses antes, o trailer do filme havia tido uma recepção bastante negativa de boa parte do público, no mesmo período em que a Paramount decidia adiar seu longa “Sonic” após a recepção negativa do visual do personagem nos primeiros trailers. Talvez fosse mais esperto os produtores de “Cats” tomarem a mesma atitude, aproveitando até mesmo do marketing que esse tipo de ação poderia gerar.
No entanto, aparentemente Tom Hooper queria aproveitar o período de premiações e acertou: a canção “Beautiful Ghosts”, de Taylor Swift, já tem uma indicação ao Globo de Ouro, e o longa aparece na “short list” de Efeitos Visuais do Oscar, ou seja, corre o risco de uma indicação na categoria.
Mas vamos ao filme:
Baseado no famoso musical homônimo de West End (Londres) e da Broadway (Nova York), que por si são inspirados nos poemas que T. S. Eliot escreveu sobre gatos, o longa tem a intenção de fazer o que Hooper já havia feito em Os Miseráveis: levar um musical de grande impacto com o estilo do diretor, que abusa das grandes angulares e dos closes nos personagens. A princípio, isso poderia simbolizar uma proximidade maior do público, superando a distância que o espectador tem em relação aos atores, mas isso funcionou um pouco mais no musical anterior – que tem sua beleza e seus méritos.
Neste “Cats”, o roteiro que Hooper divide com Lee Hall (Rocketman) segue a personagem Victoria como protagonista em uma noite na qual a líder dos gatos deverá escolher qual membro deve deixar a vida e ascender a um novo tipo de vida. O pretexto da trama é basicamente servir de ode aos gatos, e a mensagem dita por Judi Dench ao final é clara e óbvia: gatos não são cães e devem ser tratados de forma diferente.
A primeira característica de “Cats” que chama a atenção é a forma como os gatos foram representados: com atores repletos de maquiagens digitais que formam uma espécie de “vale da estranheza” no espectador. Enquanto a peça teatral permite maquiagens mais lúdicas e figurinos coloridos, aqui os efeitos visuais tentam dar um tom de “realidade” aos personagens que, por manter a forma humana (necessária para os muitos números de dança), criam um limbo de sensações: não formam algo lúdico e teatral o suficiente, nem conseguem ser realistas em nenhuma circunstância, afinal gatos não andam sobre duas patas.
Se o design dos personagens é esse limbo de sensações e cria imagens sem uma beleza estética apurada, chegando ao ponto de ter gatos vestindo casacos de pele de gatos (é a única forma de dar sofisticação aos personagens?), o design dos cenários não traz limbo algum, apenas uma simplicidade sem criatividade. Quando a câmera nos permite ver algo além de um borrão desfocado, tudo o que vemos é um cenário parecido com o de uma animação simples ou de uma peça de teatro com recursos escassos. Se o desenho dos personagens quer ir “além” do teatral, o cenário deveria fazer o mesmo, seja nos detalhes ou na inventividade.
E não é só o cenário que o diretor não nos permite enxergar direito com sua câmera: nem mesmo o rosto de alguns personagens conseguimos ver direito. Quando Skimbleshanks aparece para o número do trilho do trem, tive a impressão de reconhecer o ator, mas em nenhum instante consegui olhar para seu rosto, pois a câmera nunca o mostrou com clareza. E não se pode nem dizer que é o estilo do diretor de fotografia, já que Hooper havia trabalhado com Danny Cohen em seus filmes anteriores e neste é Christopher Ross (Yesterday) quem realiza a função.
Em compensação, o rosto deslumbrado (e com efeitos borrados) da bailarina Francesca Hayward é mostrado o tempo todo, com a câmera sempre se voltando a ele, já que não há muito o que fazer além disso para marcar o protagonismo da personagem.
No entanto, nada tira o espectador do filme com mais violência do que a variação do tamanho dos personagens em relação ao cenário: às vezes, os gatos humanoides parecem ter cerca de 1 metro de altura, mas em outras eles parecem ter a metade deste tamanho, mostrando total falta de planejamento e cuidado com algo básico.
Todas estas questões são incômodas o suficiente para amenizar as boas coreografias – muito bem elaboradas nos momentos em que a câmera nos permite admirá-las – e os bons atores, já que Idris Elba está canastrão o suficiente e parece ser o único ciente do projeto em que se meteu, e Judi Dench exala altivez e garbo até mesmo com pelos no rosto. É uma pena que, para isso, sejamos obrigados a ver o grande Ian McKellen lambendo um pratinho e simulando gestos felinos com tamanha artificialidade. Aliás, vale ressaltar que, embora eu nunca tenha visto uma montagem do musical Cats, pude ver a de O Rei Leão duas vezes e sei do quanto é possível tornar os gestos humanos em movimentos típicos de felinos, sendo que há alguns atores que o fazem no filme, mas essa decisão é inconstante e varia o tempo todo. No fim das contas, “Cats” poderia ter sido adiado para uma finalização mais cuidadosa que, se não fosse para deixar o longa mais belo esteticamente, ao menos fizesse com que ele se levasse menos a sério. Quem sabe assim não poderíamos rir dele (e com ele). Da forma como está, “Cats” é entediante, e seu tom de grandiosidade faz com que ele pareça um doutorando a apresentar, no lugar de sua tese, um trabalho de ensino fundamental.