Crítica: Dois Papas – 43ª Mostra de São Paulo
Dois Papas encerra a Mostra de São Paulo deste ano com uma visão otimista da Igreja – e do mundo.
Ficha técnica:
Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Anthony McCarten
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Argentina, 20 de dezembro de 2019 (lançamento mundial – Netflix)
Sinopse: O cardeal argentino Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce) está decidido a pedir sua aposentadoria, devido a divergências sobre a forma como o papa Bento XVI (Anthony Hopkins) tem conduzido a Igreja. Com a passagem já comprada para Roma, ele é surpreendido com o convite do próprio papa para visitá-lo. Ao chegar, eles iniciam uma longa conversa onde debatem não só os rumos do catolicismo, mas também afeições e peculiaridades da personalidade de cada um.
Elenco: Jonathan Pryce, Anthony Hopkins, Juan Minujín, Sidney Cole.
O embate entre conservadores e liberais (ou progressistas, dependendo do contexto) tem sido uma marca da nossa contemporaneidade, e um dos símbolos dela é a dualidade entre os papas Bento XVI e Francisco. Este já é um ponto de partida promissor para Dois Papas, novo longa de Fernando Meirelles e produção original Netflix.
A primeira coisa que surpreende em Dois Papas é quando Jonathan Pryce interpreta o então Cardeal Bergoglio rezando uma missa em um bairro pobre de Buenos Aires: para uma produção americana, é curioso que estas cenas sejam todas em espanhol, e com uma mixagem bastante cuidadosa, que consegue remover todo o possível sotaque do ator inglês que o interpreta.
Tecnicamente, Meirelles seu diretor de fotografia César Charlone aproveitam da experiência que possuem. Além de explorarem as locações e os cenários iluminados, abusam dos closes para dar dinâmica aos diálogos entre o Papa Bento XVI e o futuro Papa Francisco. Os cortes e o chacoalhar da câmera se intensificam conforme os diálogos ficam mais intensos. E a câmera passeia com fluidez pelos espaços luxuosos em que ficam os cardeais.
Dois Papas, apesar do título, é muito mais sobre Jorge Bergoglio do que sobre Ratzinger. Com flashbacks que recontam diversos pontos da trajetória do argentino, o filme trata de mostrar as virtudes do atual Papa e se utiliza do tradicional conceito de que o melhor líder é aquele que não deseja sê-lo. E a escolha por uma razão de aspecto diferente para retratar o período em que Bergoglio ainda não era padre se mostra bastante acertada para o propósito da produção. No quesito atuação, Pryce consegue transmitir o carisma de Jorge, enquanto Hopkins acrescenta uma doçura e um peso dramático que não vemos em seu personagem real, o que lhe confere uma nova faceta.
Talvez o filme mereça ser criticado por ser positivo demais em relação á Igreja. Embora não se furte de falar dos casos de abuso sexual de crianças, a trama trata o assunto com certa displicência e não pontua a seriedade do caso de um Papa que claramente fez vista grossa. Aliás, ao mostrar os personagens confessando seus pecados, Dois Papas sequer mostra a verdadeira confissão do alemão, demonstrando uma condescendência perigosa em relação a ele.
Ainda assim, o roteiro de McCarten é muito positivo ao colocar Francisco em uma posição de reformista e de alguém capaz de unir as pessoas. De fato, o Papa atual tem um posicionamento bastante liberal em relação ao que a Igreja deve fazer. Esta visão, no entanto, é manipulada ao ponto do exagero quando vemos cenas do muro que separa os Estados Unidos do México sem um motivo aparente: na tentativa de fazer algo impactante, o filme acaba por se tornar didático – quiçá piegas – demais sem necessidade.
No entanto, Dois Papas consegue se firmar como uma obra bastante pungente e eficiente. Quando for lançado na Netflix, tem tudo para se tornar o assunto do momento. É uma típica produção que atinge um público amplo, e muitos de seus diálogos engraçados servem para deixar a trajetória mais agradável. As piadas são um sintoma interessante do filme como um todo. Representam essa visão positiva do mundo: essa ideia de que, apesar dos males, tudo caminha para algo melhor, tal qual a amizade impossível entre um religioso alemão conservador que gosta de piano e um sacerdote argentino liberal que gosta de futebol.
Dois Papas pode ser um pouco otimista demais. Higiênico demais. Mas será que não é disso que estamos precisando?
Summary
Quando for lançado na Netflix, tem tudo para se tornar o assunto do momento. É uma típica produção que atinge um público amplo, e muitos de seus diálogos engraçados servem para deixar a trajetória mais agradável.