Crítica: Papicha – 43ª Mostra de São Paulo
Papicha funciona como retrato de um período terrível de um país, como alerta, e também como uma narrativa envolvente.
O filme está em exibição na 43ª Mostra de São Paulo.
Ficha técnica:
Direção: Mounia Meddour
Roteiro: Mounia Meddour
Nacionalidade e Lançamento: Argélia,
França, Bélgica, Catar, 17 de maio de 2019 (Festival de Cannes)
Sinopse: Nedjema é uma jovem
estudante de moda que vive na Argélia dos anos 1990, momento em que o país está
tomado pela guerra civil. Ela se recusa a deixar que o conflito a impeça de
levar uma vida normal, mas quando os radicais ganham força, a jovem decide lutar
por liberdade e independência ao planejar um desfile.
Elenco: Lyna Khoudri, Shirine Boutella, Amira Hilda Douaouda.
Os anos 1990 foram particularmente difíceis na Argélia. A situação política levou a um crescimento exponencial do fundamentalismo religioso. Papicha é um filme que mostra isso de maneira especificamente didática.
Ao acompanharmos a história da sonhadora Nedjema, vemos um crescendo de dificuldades impostas a ela e à expressão de sua liberdade. Desde o começo, vemos o quanto a protagonista é independente e questionadora, possivelmente em função de ter sido criada pela mãe. Por isso é tão interessante que a protagonista tenha outras duas amigas: uma que divide os mesmos pensamentos com ela, mas em certo momento se vê na necessidade de mudar para ser aceita pelo namorado, e outra bem mais religiosa, que usa o véu, mas que não é fundamentalista – uma forma de mostrar que é possível ser mais conservador sem precisar exigir que todos o sejam.
A direção é cuidadosa. A diretora Mounia Meddour sabe muito bem como não explorar a violência, dando foco à dor da personagem nos momentos em que há alguma morte. A maneira como ela mostra o interesse da garota pelos tecidos é bastante delicada e nos permite enxergar como o fundamentalismo religioso vai cerceando seu corpo.
Aliás, a maneira gradativa com que o roteiro mostra o novo regime perpassando a sociedade e dando poder às pessoas dizerem coisas que não diziam, ou de entrar em uma sala de aula para calar o professor, é mais do que providencial ao roteiro: é um alerta para a situação de outros países com gente invadindo salas de aula e achando que padrões religiosos devem virar lei.
“Papicha” não tem medo de mostrar todos os homens como potenciais algozes das mulheres. Note que até quem a protege de uma situação de abuso, mais tarde a procura sem boas intenções. O longa também deixa claro que apenas as mulheres podem se apoiar, e uma situação no final, que envolve uma “adoção”, é bastante significativa. Mesmo assim, o filme não se furta em mostrar mulheres que fazem parte desse sistema
É o retrato de um país em uma determinada época. Baseado em fatos. Mas sua história fala de muito mais do que apenas isso. É uma contundente visão feminista acerca do controle de corpos dos governos autoritários, e ainda um eficiente drama sobre uma mulher que teve seus sonhos dilacerados.
Summary
Papicha funciona como retrato de um período terrível de um país, como alerta, e também como uma narrativa envolvente.