Crítica: Sintonia (1ª temporada)
Sintonia traz elementos importantes para o Brasil de hoje e um retrato fundamental de uma geração ainda pouco mostrada.
Ficha técnica
Criadores: Felipe Braga, KondZilla, Guilherme Moraes Quintella
Roteiristas: Felipe Braga, KondZilla, Guilherme Moraes Quintella, Duda de Almeida, Luíza Fazio, Pedro Furtado
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 9 de agosto de 2019 (lançamento internacional – Netflix)
Sinopse: Doni, Rita e Nando são três jovens adultos que vivem na mesma favela de São Paulo. Amigos de infância, eles tentam realizar seus sonhos mesmo diante das dificuldades, mantendo a amizade em um ambiente cercado de música, drogas e religião.
Na vida, todo mundo que “dar seus corre” para conquistar o sonho. Mas quando se vive na favela, é tudo mais difícil. Em “Sintonia”, o produtor Konrad Dantas – conhecido como KondZilla – decidiu contar uma história aparentemente simples, mas que encontra elementos importantes a serem tratados: a falta de oportunidades para os jovens, o estilo de vida que eles levam hoje, e a maneira como a atual geração desta classe social específica influencia a música e a cultura popular.
Se no início dos anos 2000 o “filme de favela” foi bastante explorado no cinema e na TV na esteira do sucesso estrondoso de Cidade de Deus, o fato é que o audiovisual brasileiro parou de dar foco nesse tipo de cenário – o que foi até bom para diversificar temas. Mas o fato é que fazia falta uma obra de grande alcance que mostrasse realidade atual desses ambientes.
O mais curioso da nova série da Netflix é que ela conversa com a atual geração e ainda faz sentido para o momento que o Brasil vive nos dias de hoje. Do ponto de vista de alguém que não vive a realidade da periferia, entendo que uma série como “Sintonia” traz elementos que ajudam muitas pessoas a pensarem em algumas coisas importantes: no ódio extremo direcionado aos traficantes e bandidos, no elitismo que norteia o preconceito em relação ao funk, e no crescimento vertiginoso do neopentecostalismo (que na verdade vem ocorrendo há décadas).
Ao longo da série, acompanhamos três amigos de infância inseparáveis que trilham caminhos diferentes rumo à vida adulta e à realização de seus sonhos. Enquanto Doni busca fazer sucesso cantando funk, Nando encontra no tráfico de drogas a maneira de ganhar dinheiro e respeito, e Rita começa a trilhar um caminho ligado à igreja. Ainda que o foco seja obviamente o mundo do funk, a série encontra tempo para mostrar o caminho de cada um dos personagens.
De forma realista e com diálogos bastante naturalistas, o roteiro conduz o espectador a pressupor muito do que move os personagens: Nando busca muito mais por respeito e poder do que dinheiro. Rita encontra na igreja um caminho que destoa de seu histórico, mas é atraída especialmente pelo dinheiro que vê na instituição, como percebemos no seu “ponto de virada”. E Doni, que teve mais acolhimento familiar e um pouco mais de conforto, talvez por isso seja o mais imaturo, mas também o mais arrojado nas atitudes arriscadas que toma.
“Sintonia” peca por depender demais da ação dos personagens e demorar-se pouco nos seus desenvolvimentos internos. Alterna cenas estilosas com momentos pouco inspirados e traz algumas atuações caprichadíssimas em oposição a outras mais forçadas: os traficantes da “disciplina” são impecáveis e Christian Malheiros atua com peso dramático de veterano, enquanto Jottapê parece não dar conta em alguns momentos apesar do esforço, e a personagem Cacau parece pouco natural. Em alguns momentos, a série traz diálogos mais expositivos, que destoam de diversas nuances dos personagens que ficam disponíveis para o espectador compreender dessa forma.
Além de atingir um público importante para a plataforma, já que a periferia brasileira tem um enorme potencial de novos assinantes, a Netflix acerta ao trazer personagens repletos de tons de cinza, capazes de abrir alguma brecha de empatia nas pessoas. Assim, quem sabe a série não consiga criar alguma conexão entre a classe média, cheia de medo e ódio, e o traficante que não viu outra escolha. Quem sabe o elitista não perceba o quanto o funk pode abrir janelas em um mundo cheio de portas fechadas. Quem sabe os mais ingênuos não vejam como as igrejas neopentecostais são sistemas complexos que misturam o acolhimento religioso com um alto fluxo de dinheiro. Em meio ao caos, Sintonia tem o poder de promover – justamente – mais sintonia entre as pessoas. Basta ajustar a frequência.
Summary
Sintonia traz elementos importantes para o Brasil de hoje e um retrato fundamental de uma geração ainda pouco mostrada.