Eu Cinéfilo #46: Democracia em Vertigem: a visão intimista e perturbadora do Brasil atual
São muitas as histórias relacionadas à política brasileira ao longo dos últimos 30 anos. E explicar os casos de corrupção, manifestações populares, o Impeachment de Dilma, a operação Lava Jato, a prisão do ex-presidente Lula e a eleição de Jair Bolsonaro, não é uma tarefa nada fácil. Como condensar e contar tudo sem deixar fatos importantes de fora? Por onde começar? Parece quase impossível, mas a cineasta Petra Costa conseguiu narrar de forma brilhante os últimos passos da política nacional no documentário Democracia em Vertigem, lançado pela Netflix.
É válido ressaltar que o Brasil sofreu diversas mudanças políticas ao longo do século XX, e que marcaram profundamente a história do país. A principal delas ocorreu no ano de 1964 com o golpe militar. Uma ferida aberta que deixou sequelas e que nunca foram curadas totalmente. Somente depois de longos 20 anos de repressão o Brasil se libertava das amarras dos militares.
Em 1989, enfim o país elegeu seu primeiro presidente de forma democrática, um marco para a nação. Finalmente os brasileiros poderiam decidir o futuro do país. Não demorou muito para surgirem os primeiros problemas: o Impeachment de Collor. Após breve turbulência o Brasil parecia enfim seguir um rumo com novas eleições: FHC e depois Lula . Foi durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a primeira mulher a presidir o país, que tudo começou a mudar de fato.
Em Democracia em Vertigem, Petra Costa leva o espectador a conhecer, ou relembrar, como foram os últimos anos 30 anos do Brasil. Com cerca de 2 horas de duração o longa traça de forma cronológica a história do Brasil pré-democrático até o processo de Impeachment de Dilma, a prisão de Lula e suas consequências. O documentário ganha um outro peso ao inserir cenas e momentos da vida pessoal da cineasta.
A diretora utiliza a forte ligação de sua família com a militância durante a ditadura militar para produzir o documentário que mescla cenas marcantes da política nacional e vídeos familiares relacionados aos mesmos acontecimentos. Petra usa desse artifício para inserir um olhar pessoal a narrativa, deixando de ser uma mera espectadora.
Democracia em Vertigem leva o público a viajar no tempo através de imagens antigas da história recente do Brasil, como o surgimento do movimento sindicalista liderado por Lula e sua posse como primeiro operário a assumir o cargo máximo da nação brasileira. Além disso, o documentário traz entrevistas com Dilma e Lula e acompanha de perto os bastidores do Impeachment.
Por ser um produto autoral e íntimista, Petra deixa de lado alguns aspectos que poderiam contribuir com a discussão política, sociológica e histórica, como, inserir entrevistas com especialistas e estudiosos com pensamentos distintos. Seu posicionamento político é claro ao longo da narrativa, porém em diversos momentos ela tenta mostrar ao espectador os dois lados da moeda, evidenciando ao longo das cenas um Brasil de cabeça para baixo, dividido e com ânimos exaltados.
Democracia em Vertigem é ousado, traz os bastidores de todo o decurso do Impeachment da presidente, além de mostrar em detalhes a relação de Dilma com Lula, assim como os momentos antes da prisão do ex-presidente. Petra acerta ao apresentar ao público a opinião dos brasileiros que foram às ruas, apoiadores e opositores.
Bem construído e amarrado o documentário é acompanhado de trilha sonora com músicas orquestrais, levando o espectador a associar todos os acontecimentos com um grande espetáculo teatral, um jogo de cartas marcadas. Apesar do viés mais à esquerda, Democracia em Vertigem faz um balanço dos erros e acertos dos governos, apontando suas falhas e crimes.Petra Costa insere o espectador nos dois lados da história, com cenas incômodas e impactantes. Democracia em Vertigem ao gerar desconforto, fazendo pensar e refletir sobre a avalanche que atinge o Brasil, cumpre seu papel e logo se tornará um documentário fundamental para essa e as futuras gerações compreenderem o Brasil atual.
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