Grandes Mestres do Cinema: Orson Welles
Muitos dos grandes diretores do cinema passaram até mesmo décadas para demonstrarem sua genialidade. Com Orson Welles foi diferente. O ano era 1941, quando os críticos e o público ficaram boquiabertos com um filme excepcional que apresentava uma série de renovações e revoluções técnicas, além de uma linguagem ímpar que tornou seu realizador um dos maiores mestres do cinema de todos os tempos. E nem seria exagero dizer que Welles é o maior deles. Fascinado pelo dramaturgo William Shakespeare e pelo diretor John Ford, Welles, aos 26 anos, se tornou o mais jovem gênio da indústria cinematográfica. E o mais impressionante é que Welles nunca havia trabalhado com longas-metragens antes de “Cidadão Kane”.
Antes disso, algo marcante que destacou a carreira artística de Welles foi sua transmissão em uma rádio no ano de 1938. Inspirado no clássico “A Guerra dos Mundos”, de H. G. Welles, o jovem Welles narrou uma invasão alienígena à terra como se isto estivesse realmente acontecendo. A transmissão causou um pânico geral nos EUA, onde as pessoas acreditaram que realmente estavam sendo vítimas de um ataque extraterrestre.
O clássico “Cidadão Kane” conta a trajetória de um ilustre magnata da imprensa; de sua infância indo até a sua morte, que já é mostrada no início. Ao morrer, Charles Foster Kane diz sua última palavra: ‘Rosebud’. Mas qual seria o significado de tal palavra? É o que um repórter vai investigar, conversando com cada pessoa que esteve próxima a Kane. Ao decorrer da obra, ficamos conhecendo suas várias personalidades, seu poder na mídia, seus relacionamentos desastrosos, sua vida política perseguida por seus inimigos, seus dissabores. Tudo é filmado por Welles de forma espantosa. Na época, muitos dos recursos utilizados nessa obra foram vistos pela primeira vez nas telas de cinema. Um trabalho magnífico que figura frequentemente nas listas dos melhores filmes de todos os tempos.
Mas Welles pagou caro por sua grande obra, porque na época, um magnata dos meios de comunicação chamado William Randolph Hearst, ao se ver retratado naquele filme, empreendeu uma perseguição impiedosa a Welles. Fazendo de tudo para boicotar “Cidadão Kane”, Hearst não parou até conseguir alguns efeitos negativos contra o trabalho de Welles. O excelente documentário “A Batalha por Cidadão Kane” (1996) relata todo esse episódio que marcou para sempre a história do cinema.
Tudo isso surtiu efeito negativo até mesmo nas premiações do Oscar de 1942, quando, indicado a melhor filme, direção, ator (Welles), fotografia em preto e branco, som, edição, direção de arte em preto e branco, trilha sonora e roteiro original, “Cidadão Kane” acabou levando apenas o último prêmio, perdendo boa parte deles para “Como Era Verde Meu Vale”, de John Ford.
Orson Welles passou então a ser visto como um artista ‘maldito’, tendo que correr atrás de financiamentos para suas obras posteriores, e até mesmo tirar o dinheiro do próprio bolso, vindo de peças de teatro que ele montava com seu grupo de amigos.
Talvez na época alguns achassem que “Cidadão Kane” fosse apenas ‘sorte de principiante’, e que o talento daquele jovem diretor não fosse permanecer em outras de suas obras. Mas quem pensou isso se enganou feio. “Soberba” (1942), o segundo filme de Welles é uma obra-prima que reforça o talento do realizador. A trajetória de duas famílias e um caso de amor mal resolvido, rende algumas das cenas mais belas do cinema. Mestre da perspectiva e dos planos cinematográficos, Welles explora de forma magnífica todos os elementos em cena. O resultado é fabuloso.
Em “O Estranho” (1946), Welles ‘pega carona’ nos filmes de espionagens produzidos na época. Estrelado ainda por Edward G. Robinson e Loretta Young, o filme mostra um nazista que se esconde nos Estados Unidos e tenta levar uma vida disfarçado de bom moço. É um dos filmes menos lembrados do diretor, mas contém bons momentos de tensão.
Em 1947 Welles era casado com a estrela Rita Hayworth, quando a dirigiu (e também ele protagonizando) “A Dama de Shangai” (1947), um filme noir marcante e muito bem realizado, em especial a cena final que se passa em um parque de diversões, culminando em uma sequência inesquecível em uma sala de espelhos. Um roteiro complexo e bem construído do próprio Welles.
“Macbeth – Reinado de Sangue” (1948), é o primeiro dos três filmes de Welles baseados na obra do dramaturgo inglês William Shakespeare. Com uma narrativa sombria que lembra os clássicos do Expressionismo Alemão, o filme conta a história de um homem disposto a tudo para obter o poder. Aqui, Welles acaba falando um pouco de si mesmo, em uma metáfora sobre a opressão.
Retornando a um texto de Shakespeare, “Othelo” (1952) traz novamente Welles como protagonista, dessa vez no papel de um mouro veneziano que, se deixando levar pelas intrigas de um ardiloso suboficial, é levado a perigosas crises de ciúmes por sua esposa Desdêmona. Mais um trabalho marcante na carreira do diretor.
“A Marca da Maldade” (1958) é o último filme noir do cinema e um dos melhores filmes policiais de todos os tempos. Com um marcante plano-sequência inicial, a obra traz no ótimo elenco: Charlton Heston, Janet Leigh, Marlene Dietrich e o próprio Welles (no papel de um temível e corrupto capitão de polícia). Um primoroso trabalho de direção de Welles que figura entre seus melhores projetos.
“É difícil não perceber elementos da vida de Welles – em especial em seu início de carreira – com a do personagem principal de “O Processo” (1962). Anthony Perkins interpreta um homem que em um determinado dia é acusado de um crime que não cometeu. Ao se defender, ele passa por diversas situações que mais parecem um pesadelo. Welles mudou o final do livro de Frank Kafka, mas a essência da obra capta muito bem todo o tormento vivido por Josef K.
“Falstaff – O Toque Da Meia-Noite” (1965) é a terceira e última adaptação de uma obra de Shakespeare dirigida por Welles. Menos sombrio e por vezes divertido, traz uma das melhores atuações de Welles no cinema. Ainda no primoroso elenco, as presenças de John Gielgud, Jeanne Moreau, Fernando Rey e Margaret Rutherford.
Com “F For Fake – Verdades e Mentiras” (1973), Welles mostra a linha que separa o verdadeiro do falso, discorrendo sobre a própria história da arte, em um documentário que revela muito do próprio diretor. O perito de arte húngaro Elmyr de Hory serve de base para Welles falar sobre os mais variados assuntos envolvendo questões morais, sociais e filosóficas.
Welles atuou em diversos filmes de outros diretores. Entre eles, destacam-se obras como “Jane Eyre” (1944), “O Terceiro Homem” (1949), “Moby Dick” (1956), “O Mercador de Almas” (1958), “Estranha Compulsão” (1959), “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma” (1966), “Cassino Royale” (1967) e “Ardil 22” (1970).
Orson Welles morreu em 10 de outubro de 1985, aos 70 anos.
Agradecimento especial: Ana Luiza