Crítica: Chinatown (1974)
Ficha técnica:
Direção: Roman Polanski.
Elenco: Jack Nicholson, Faye Dunaway, John Huston, Diane Ladd, Perry Lopez, Darrell Zwerling, Joe Mantell, Bruce Glover, James Wong, Roy Jenson, Burt Young, John Hillerman e Roman Polanski.
Nacionalidade e data de estreia: Estados Unidos, 20 de junho de 1974.
Sinopse: Tentando esquecer seu doloroso passado em Chinatown, o detetive J. J. Gittes aceita desvendar um caso de adultério envolvendo um engenheiro-chefe de uma empresa de água e energia.
O noir…
Sam Spade e Philip Marlowe são detetives famosos criados respectivamente por Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Levados para as telas, Spade (interpretado por Humphrey Bogart) protagonizou “O Falcão Maltês” (1941. Baseado na obra homônima de Hammett”), enquanto, pouco depois, Marlowe apareceria em “Até a Vista, Querida” (1944. Interpretado por Dick Powell), À Beira do Abismo” (1946. Interpretado por Humphrey Bogart) e “A Dama do Lago” (1947. Interpretado por Robert Montgomery). Estes filmes ajudaram a definir o cinema noir, que não é especialmente um gênero, mas um estilo, misturando, em boa parte, um detetive diurão, uma femme fatale e um vilão sádico, em uma trama complexa e cheia de reviravoltas; tudo filmado em preto e branco, dando destaque para um bem elaborado jogo de sombras.
O último noir legítimo do cinema é do ano de 1958, quando Orson Welles filmou o excelente “A Marca da Maldade” (estrelado por Charlton Heston, Janet Leigh e o próprio Welles). Costuma-se classificar como pré-noir aqueles filmes de estilo parecidos com o noir, mas que foram exibidos antes de 1941, onde em geral eram obras protagonizadas por gângsteres.
O cinema neo-noir é bem representado por obras como “O Perigoso Adeus” (1973. Baseado em “O Longo Adeus”, de Raymond Chandler), “Corpos Ardentes” (1981), “Blade Runner – O Caçador de Andróides” (1982), “Ajuste Final” (1990), “Os Imorais” (1990) e “Los Angeles – Cidade Proibida”. Mas nenhum filme definiu melhor o novo cinema noir do que o clássico “Chinatown”, dirigido em 1974 por Roman Polanski.
Esquece Jake, é Chinatown
Não tem como falar de “Chinatown” sem estragar suas várias surpresas ao decorrer da obra – ainda que seja um filme produzido há 45 anos -. Repleto de reviravoltas, podemos dizer que trata-se de um filme noir com todas as suas principais características: um detetive cínico, uma mulher suspeita (a femme fatale), um vilão poderoso, policiais duvidosos, uma trama intrincada onde algo dá errado em uma situação que já começa errada. Apenas o preto e branco não está presente em “Chinatown”, dando lugar aqui a cores com filtros alaranjados.
O detetive J.J. Gittes é contratado por uma estranha mulher que desconfia que seu marido tem uma amante. Aos poucos, Gites descobre segredos da misteriosa Evelyn Mulwray, se envolvendo em uma perigosa trama de ambição e poder.
Nessa Los Angeles ensolarada dos anos 30, uma companhia de água e energia simboliza o poder central, e a história de “Chinatown” gira em torno de um engenheiro-chefe que pode estar escondendo alguma coisa. A partir disso, Gites vai descobrindo e mergulhando em uma intriga familiar chefiada pelo poderoso Noah Cross.
Assim como os personagens de Hammett e Marlowe, Gittes vai além de um mero trabalho, ao pegar um caso complicado que acaba lhe devorando. O roteiro de Robert Towne (frequentemente eleito um dos melhores da história) não desperdiça nada, colocando as cartas na mesa o tempo todo, expondo situações que, mais cedo ou mais tarde, terá seu desfecho de forma inesperada. Ainda que seja um roteiro linear, o início se conecta com o final, o meio nos esclarece algo do início, o fim nos mostra o porquê de alguns fatos ocorrerem no meio, e por aí vai.
É de fato um roteiro brilhante que explora as várias facetas do gênero policial, esmiuçando temas como moralidade e o comportamento humano, vistos na figura de personagens sórdidos e misteriosos. De Ewelyn ao seu pai, do cliente que aparece no início ao mordomo asiático, todos têm sua importância e uma resolução, não ficando brechas, ainda que tudo seja construído de forma a dificultar um pouco a narrativa – algo típico dos filmes noir. Costuma-se dizer que se alguém entendeu um filme noir, algo está errado.
O tom melancólico está presente em toda a obra, e é inevitável a sensação desde o início de que há algo de podre naquela missão do detetive Gittes. Especialista em desvendar casos de adultério, Gittes se depara com situações pra lá de inusitadas, onde o poder dá as cartas e de uma hora para outra tudo parece não ter mais saída.
Depois da trágica morte de sua esposa Sharon Tate – assassinada em 1969 -, Polanski começou a se envolver em projetos intimistas e amargos como “Macbeth” (1971), “O Inquilino” (1976) e “Tess – Uma Lição de Vida” (1979), onde seus personagens são inevitavelmente massacrados pelo destino. “Chinatown” é a maior de suas obras, e também aquela que melhor representa seu cinema autoral. Difícil não relacionar seu emblemático final com a sensação de impotência que abateu o diretor em sua tragédia familiar.
Com uma direção espetacular de Roman Polanski (que interpreta aqui o personagem que corta o nariz do protagonista), “Chinatown” conta com um elenco formidável: Jack Nicholson está perfeito no papel do detetive durão, enquanto Faye Dunaway encarna muito bem a personagem feminina principal que esconde terríveis segredos. O veterano diretor John Huston (“O Falcão Maltês”, “O Tesouro de Sierra Madre”) injeta autoridade no papel do temível Cross. Burt young (indicado ao Oscar de ator coadjuvante por “Rocky – Um Lutador”) e Diane Ladd (“Alice Não Mora Mais Aqui”, “Coração Selvagem”) também estão no elenco.
“Chinatown” foi indicado a 11 Oscars: Filme, direção, roteiro original, ator, atriz, fotografia, edição, som, trilha sonora, direção de arte e figurino, vencendo roteiro original. Venceu ainda o Globo de Ouro de filme drama, ator em drama, ator e roteiro e o BAFTA de direção, roteiro e ator.
Em 1990, Jack Nicholson dirigiu e estrelou uma continuação chamada “A Chave do Enigma”, mas o fracasso de crítica e público deste acabou impossibilitando uma terceira parte elaborada pelo roteirista Robert Towne.
A lendária frase dita no final de “Chinatown” sintetiza toda a obra. No final das contas, o detetive Gittes deveria não apenas ter esquecido Chinatown, mas também toda aquela poderosa família que aos poucos vai lhe empurrando para o abismo.
Agradecimento especial: Ana Luiza.
Resumo
Melhor neo-noir do cinema, “Chinatown” é um excelente estudo sobre poder e ambição.