Quando a gente se vê na tela
Desde quando comecei a escrever sobre filmes LGBT (digo aqui sobre filmes… porque de cinema mesmo eu não entendo) eu falo da representatividade. Que ela importa, que deveria ser celebrada e mais um monte de blá blá. Mas me peguei refletindo sobre lugares e pertencimentos e talvez eu precise aprofundar mais o que eu penso. Está pronto? Porque esse texto vai ser uma mulher se estendendo escrevendo para organizar o pensamento.
Meu devaneio aqui vai única e quase que exclusivamente para representatividade em personagens, principalmente representatividade LGBT, se eu fosse falar de cinema mesmo, de produção audiovisual, o buraco é MUITO mais embaixo. O mercado é mais um domindado por homens… O que talvez resulte no porquê da grande maioria das narrativas ser masculina também. Especialmente quando falamos de homens brancos, héteros e cis, mas talvez isso seja assunto para uma outra inspiração.
Falar de representatividade não é algo assim tão simples. Na verdade, falar sobre é, ela acontecer de fato é que é mais complicado. As Mathildas já falaram sobre representatividade bissexual e de representatividade lésbica no audiovisual forma muito bem explorada. Mas por que é tão importante se ver na tela?
Nos ver na tela é encaixar-se em si
Tudo o que temos na nossa vida desde o momento em que nascemos são referências. A maneira como as coisas acontecem na nossa casa viram nossa referência de como deve ser feito. A nossa construção familiar toda vira referência, a nossa convivência escolar, acadêmica, social. TUDO o que consumimos desde que nos entendemos por gente é o que faz a nossa referência de mundo, inclusive filmes, séries, livros e por aí vai.
Então imaginem só, uma pequena criança LGBT que não sabe ainda, não se descobriu. A referência dela, ou minha, é a de histórias heteronormativas. O cara que se apaixona pela mina, a mina que se apaixona pelo cara. Os casais compostos por homens e mulheres, com filhos, casamento e por aí vai. Seja na comédia, no drama, no suspense ou no terror.
Então, ao ser bombardeada por todo esse mundo hétero em todos os lugares, a criança, ou jovem, acha que não pertence a nenhum. Muitas vezes ela ainda nem descobriu para quem está direcionada sua afetividade, só sabe que não se encaixa naquele mundo. E nesse momento, talvez ela se sinta extremamente sozinha, mais sozinha do que jamais se sentiu.
Não é fácil tentar pertencer a um mundo que não é seu, então quando existem filmes e séries que possuem personagens LGBTs (mas podemos colocar aqui qualquer minoria) fazem você encaixar em si mesmo. Faz você começar a se olhar de outro jeito porque você está se identificando com alguém, tendo referência que as coisas que você sente são completamente naturais.
A jornada da representatividade é inesquecível
Até hoje eu me lembro das primeiras jornadas lésbicas que vi representadas em séries e filmes. E a jornada sa Jessie (Evan Rachel Wood) em Once and Again continua vívida na minha memória até hoje. A série falava de uma família de pais divorciados, a personagem da Evan tinha mais ou menos a minha idade na época e quando ela envolve-se pela amiga.
Naquele momento eu percebi que o que eu sentia, a afetividade que eu sentia, não era um problema. E, assim como a minha jornada a partir dali, muitas outras jornadas de pessoas LGBTs começaram também dessa forma. Ver pela primeira vez uma personagem que parece minimamente com você é encontrar pertencimento, é encontrar alguém no mundo, mesmo que fictício, que não te faça se sentir tão sozinho.
Naquele momento, começa a nossa busca por iguais. Pelos que sejam iguais a nós na ficção e no mundo real. Começa o entendimento do que somos, muitas vezes. E a partir dali, começa quem vamos nos tornar. Se ver na tela é uma quase validação velada e íntima que está tudo bem.
Mas a representatividade é tão importante assim?
Já é difícil simplesmente existir, como alguém LGBT, sem controle de imagens e símbolos, por todo o lado dizendo o que é o “normal” e o que você deve ser e o que você não pode ser. Já ouvi muitas amigas lésbicas da minha idade e mais velhas falando que gostariam de ver mais personagens parecidas com elas e reresentadas de forma natural quando estavam se descobrindo.
Se você apenas mostrar a uma pessoa LGBT que aquilo que ela sente só é representado de forma sexualizada, desumanizada, fetichizada e oprimida, ela vai pensar que é tudo o que ela pode ser, também.
Quando a gente se vê na tela de forma delicada, sensível ou natural, começa ali a desconstrução de um mundo onde não cabemos e a construção de nós mesmos.