Se a Rua Beale Falasse (If Beale Street Could Talk, 2018) - Crítica - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Se a Rua Beale Falasse (If Beale Street Could Talk, 2018) – Crítica

Se a Rua Beale Falasse é o primeiro romance de James Baldwin adaptado para o cinema, estreou no Festival Toronto e foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Trilha Sonora Original
 

Ficha Técnica

Direção: Barry Jenkins

Roteiro: Barry Jenkins, James Baldwin

Elenco: Kiki Layne, Stephan James, Regina King, Brian Tyree Henry, Colman Domingo, Teyonah Parris, Finn Wittrock, Diego Luna, Ed Skrein, Pedro Pascal, Dave Franco

Nacionalidade e Lançamento: EUA, 2018 (7 de fevereiro de 2019 no Brasil)

Sinopse: Ambientada no Harlem dos anos 70, é a história de um amor atemporal e da força de uma família afro-americana contada por uma jovem de 19 anos. Tish relembra vividamente a paixão, o respeito e a confiança que uniram ela o artista Alonzo Hunt, conhecido pelo apelido de Fonny. Amigos de infância, tornaram-se um casal, já têm um bebê e estão noivos, mas seus planos são sabotados quando Fonny é preso por um crime que não cometeu

 

“O poder do mundo dos brancos é ameaçado toda vez que um negro se recusa a aceitar as definições do mundo dos brancos” disse o romancista e crítico social James Baldwin em uma carta aberta à New Yorker no ano de 1962. Esta afirmação, feita de forma crítica e com caráter atemporal, é um exemplo do que torna Baldwin uma das figuras mais importantes de nossa história, suas palavras ditam nosso passado e o mais surpreendente é que ainda são relevantes para o nosso presente. Além disso, este trecho em específico reverbera por toda a construção narrativa do mais novo trabalho de Barry Jenkins (Moonlight), no qual dessa vez leva ao espectador a fascinante história de um amor que é refém de um sistema que lamentavelmente ainda amedronta nossa sociedade.

Adaptado de um dos romances de Baldwin (que leva o mesmo título) e ambientado no Harlem dos anos 70, Se a Rua Beale Falasse é um filme que conta o amor vivido entre Tish Rivers (Kiki Layne) e Alonzo “Fonny” Hunt (Stephan James) e como a relação entre os dois jovens beira as impossibilidades quando Fonny é preso, ao ser acusado de estuprar uma mulher, e Tish descobre que está grávida. Os dois, com ajuda de suas famílias e um advogado, lutam incessantemente para provar a inocência de Fonny e assim retomarem a relação.

E aqui Barry Jenkins pratica um belo exercício de versatilidade estilística ao incrementar na obra uma abordagem documental (com algumas imagens reais) através de cenas que não se subvertem às partes dramáticas ou que apenas estariam lá para confirmar algo que já foi dito ou exibido. Se afastando (em partes) de seu estilo poético-visual que une os três capítulos de Moonlight, o diretor dessa vez opta por colocar a história sob a perspectiva de Tish, a qual é a narradora, revivendo toda a trajetória do romance com Fonny através de suas memórias e fazendo os julgamentos que acha necessários sobre sua situação. Com isso, é importante também notarmos em como ocorre uma alternância do tom de voz de Tish durante a narração em relação a mesma que vemos mais jovem e quase sempre retraída em cena, demonstrando uma grande mudança e um certo amadurecimento da personagem. Jenkins também repete planos presentes na maior parte de suas obras, especialmente alguns close-ups em câmera lenta (pode-se dizer que estes são parte de sua marca registrada) que já vimos em Moonlight, no episódio que dirige da primeira temporada de Dear White People (Chapter V) e seu curta-metragem Tall Enough.

O ritmo construído em cena com repetição de parte da brilhante trilha original composta por Nicholas Brittel para o romance de Tish e Fonny é similar ao que vemos no romance entre Chow e Su no Amor À Flor da Pele de Wong-Kar Wai, assim como diversos instantes e movimentos de câmera executados durante a projeção que aparentam partir de influências criadas pelo cineasta chinês. E assim Jenkins compõe um roteiro não-linear com desdobramentos inesperados e que evoca diferentes emoções com o andamento da narrativa. Como exemplo disso, o momento feliz em que Fonny reencontra o velho amigo Daniel (Brian Tyree Henry) de início demonstra ser como uma pausa apenas para o espectador respirar mas não dura muito tempo até que somos levados aos minutos mais comoventes do longa, quando Daniel começa a explicar a Fonny sobre como foi tratado na prisão quando disse ser acusado injustamente de cometer um crime. A pequena participação de Brian Tyree Henry, que interpreta Daniel exibindo imenso carisma e as marcas amedrontadoras de seu passado com extrema profundidade se configura como uma das melhores performances do ano anterior e um ótimo complemento a seus outros trabalhos e participações durante o ano, como em Atlanta e em As Viúvas.

E por sinal, é notável a força do elenco (ou a “família”) de Se a Rua Beale Falasse como um todo, mas há destaques (assim como Brian Tyree Henry): a estreante Kiki Layne confere timidez e acanhamento demonstrando uma certa insegurança a Tish, enquanto Stephan James compõe Fonny como um jovem artista mais desinibido que gradativamente adquire um olhar mais doloroso devido ao que sofreu na prisão durante anos, assim como Daniel. Já Regina King, ao interpretar Sharon Rivers (mãe de Tish), entrega complexidade ao conceito da figura materna e um desgaste por fazer de tudo para tentar livrar Tish, Fonny e as duas famílias do pesadelo que vivem. Assim como Colman Domingo (Joseph Rivers) vivendo o pai de Tish e Teyonah Parris (Ernest Rivers) interpretando sua irmã.

A fotografia de James Laxton (Moonlight) , que contribui com os trabalhos de Barry Jenkins desde o início de sua carreira, se mostra eficaz ao criar contrastes de amarelo e azul que de alguma forma vão de encontro ao Harlem dos anos 70, e como essas cores aparecem com um nível maior ou menor de intensidade quando o roteiro recorre a momentos mais ou menos dramáticos. Assim como a presença de luz responsável por criar instantes de esperança ou momentos mais claustrofóbicos devido a profundidade da cena e os movimentos de câmera, com destaque para a cena em que Fonny sonha terminar uma escultura e o momento de sua conversa com Daniel, onde a câmera alterna lentamente entre os dois personagens construindo tensão. 

Contudo, Se a Rua Beale Falasse não se coloca no dever de entregar ao espectador um culpado pelas ações erradas que são citadas durante o filme. Não é sobre convencer que Fonny é inocente ou desmentir a mulher que o acusou de estupro. É não só uma crítica a um sistema que negligencia, persegue e tira a voz dessas pessoas, mas sobretudo, um apelo à empatia daqueles que detém o poder.

  • Nota
5

Resumo

Barry Jenkins leva ao espectador a fascinante história de amor em meio à impossibilidades em “Se A Rua Beale Falasse”, primeiro romance de James Baldwin adaptado para o cinema. Com destaques para a performance de Regina King, Brian Tyree Henry e a trilha sonora original composta por Nicholas Brittel

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