Green Book – A leveza em cima de um drama
Com a chegada do Oscar, apesar de nunca conseguir assistir a todos os filmes concorrentes, eu costumo selecionar alguns. O da vez era infiltrado na Klan, cujo enredo me intrigou muito, a escolha de atores (Topher Grace está no filme, achei que a carreira dele estava morta, rs) e o tema do racismo, que ainda hoje, é extremamente relevante e importante. Fui com a minha namorada ao cinema para descobrir que a sessão de segunda feira as 21:30 estava LOTADA! “UAU, quero assistir a esse filme mais ainda, pensei”. Para não perder a viagem minha namorada sugeriu assistirmos Green Book, o qual eu estava curioso devido ao Viggo Mortensen ser o protagonista (quem não lembra dele como Aragorn?), mas o enredo não me deixou tão intrigado. Acabei topando e fomos correndo para o outro cinema tentar pegar a sessão que iria começar em dez minutos.
É necessário lembrar que, principalmente o sul dos EUA no final dos anos 60, ainda era EXTREMAMENTE racista. Existia toque de recolher, muitas casas ainda haviam banheiros do lado de fora, hotéis, restaurantes e bares de uso exclusivo “de pessoas de cor”, etc. Enfim, era uma verdadeira atrocidade que ocorria a apenas, aproximadamente, 50 anos atrás. O Oscar desse ano traz filmes de peso que tratam também do assunto racismo, como Pantera Negra, Infiltrado na Klan, Se a Rua Beale Falasse (esse último eu ainda não assisti) e Green Book.
Em Green Book logo de cara chama a atenção a fotografia e a ambientação dos EUA nos anos 60. O racismo é retratado de diversas formas e nuances, o filme faz com que o telespectador reflita e sinta o que os negros passaram (ainda passam?), tem a profundidade e complexidade necessária sem se tornar algo extremamente pesado. O foco maior é no desenvolvimento da relação de Dom e Tony e no que um tem a ensinar para o outro. A simplicidade de Tony contrapõe a finesse exacerbada de Dom.
Os atores são maravilhosos e me espantei ao ver a brilhante atuação de Viggo Mortensen como Tony Lip. No papel de um ascendente de italianos, ele é aquele típico valentão, segurança de bar que resolve tudo na porrada e é racista. Isso é perceptível logo no início quando ele joga fora dois copos usados por dois encanadores negros que foram a sua casa.
Inicialmente parece que o personagem é isso e que o filme transcorrerá mais voltado a Dom Shirley tendo que lidar com a ignorância e a rudeza de Tony, que aceita o trabalho apenas pelo dinheiro. Sua esposa, que não é racista, além de ficar perceptível que se incomoda com o racismo do marido, chega a duvidar se ele aguentaria os dois meses de viagem ao lado de um negro, ao par que ele responde que se a grana for boa, ele faria um esforço.
Quando a viagem se inicia é quando o filme verdadeiramente começa. Os personagens são aprofundados e os diálogos se dão por um caminho mais sutil do que explosivo. Com tons de humor e um ritmo adequado, o espectador se vê cada vez mais preso a cadeira e desconfortável ao ver como Dom é tratado. Exatamente como o espectador, Tony começa a calçar os mesmos sapatos que o patrão e começa a sensibilizar-se. O que o filme faz com primor e elegância está nas sutilezas. A cena onde o carro quebra em frente a uma fazenda repleta de trabalhadores negros e pobres e todos começam a olhar para Dom com o mesmo olhar de desprezo que os brancos, nos faz prender a respiração e sentir um incomodo absurdo. Dom não pertence nem ao mundo dos negros e nem ao mundo dos brancos. É sozinho, vítima de preconceito por ser negro e gay, além de apanhar simplesmente por ser um negro em um bar de brancos, assim como, ser discriminado pelas mesmas pessoas que o contratam para tocar. Ele é proibido de experimentar um terno em loja de branco, é parado pela polícia por ser um negro transitando a noite após o toque de recolher, entre outras desventuras.
Isso são situações as quais ele – e todos os negros na época – vive diariamente, e no caso do personagem em particular, ele não tem ninguém com quem conversar, explodir, se abrir e confiar, o que faz com que se torne uma pessoa fechada, que renega a cultura negra e as conquistas da própria raça. Por sentir-se descriminalizado pelos próprios negros, é incapaz de apreciar e se orgulhar do trabalho de outros músicos, também negros. Ele sequer ouviu alguma música de Aretha Franklin, Bill Robinson, Billy Preston, entre outros. Ele acha que deve ser extremamente elegante, sofisticado e recusar suas raízes negras para ser aceito e amolecer o coração dos brancos. Jamais comera frango frito, por ser um prato tipicamente apreciado pela comunidade negra, ele queria ficar longe de ser estereotipado.
Não espere um filme incendiário com cenas extremamente violentas e um racismo costumeiramente abordado. Mahershala Ali e Viggo Mortensen são as forças do filme o que o torna possível e extremamente bom. Os diálogos não são forçados, os personagens são profundos e carismáticos. Em muitas críticas que li a respeito do filme falavam da falta de uma cena ou diálogo mais acalorado, o que eu concordo, mas entendo o porquê de não o terem feito. A sutileza prevalece e eu me fiz a mesma pergunta várias e várias vezes ao longo do filme: “Como ele aguenta isso?”. Pergunta essa que passa pela cabeça de Tony várias e várias vezes até ele se deparar com a realidade a qual vivem os negros e passar assim, a respeita-los.
O final do filme é lindo e cumpre o objetivo de Dom Shirley, ou seja, Amolecer o coração das pessoas.