O Primeiro Homem (Damien Chazelle, 2018)
A história como pano de fundo para o trajeto psicológico de um homem em meio à contrastes, não só entre individualidade e ciência, família e sociedade, anonimato e popularidade, mas como peça central e representativa de uma corrida entre duas ideologias. Damien Chazelle parece conduzir sua obra de modo contemplativo, perseguindo o homem (literalmente) com sua câmera de modo a agigantá-lo enquanto pertencente à rotina, mas ínfimo quando presente (inerte) na obscuridade do espaço.
A dicotomia discutida no filme passa pelo conceito de trabalho que, no caso de Neil Armstrong, atinge toda uma camada social relevante dado o contexto histórico da corrida espacial. O homem desenvolve seu trabalho e é por ele consumido, a ponto de lhe faltar capacidade para verbalização de emoções básicas. Esse desgaste é percebido em pequenos detalhes simbólicos, como o tom geralmente azulado da camisa ou os enquadramentos asfixiantes na casa, ao mesmo tempo que existe uma diferença enorme de espaço entre o lar e as cabines das naves onde, por sinal, visivelmente o protagonista se sente mais à vontade.
É importante resgatar o fato que o período retratado no filme é de uma efervescência política enorme, principalmente norte-americana, que até então havia perdido todas as batalhas no que diz respeito à corrida espacial para a União Soviética. Apesar de o filme focar no homem, é perceptível que sua dedicação representa não só um marco nos avanços científicos do mundo, como também um hino para um conflito ideológico iminente. Desse modo, é uma virtude deslocar-nos da maioria das problematizações sociais para obrigar-nos a enxergar o ser humano por trás da história, mas é lastimável o fato do longa nunca se desprender de fato da convencionalidade.
O diretor Damien Chazelle optou por contar a história de um modo contemplativo, em muitos momentos se assimilando ao estilo Terrence Malick, dando importância aos detalhes no quadro, unido com a fotografia que traz uma atmosfera clássica. Mas em nenhum momento, apesar de pequenos indícios, abdica da linguagem linear completamente, envolve-se com o meio termo afim de plastificar o produto e não ousa entregar-se totalmente aquilo que projeta desde o início.
Passamos a assistir um filme de dois mundos distintos, a família de
Neil Armstrong e ele, há alguma intenção nesse contraste, o problema na linguagem começa quando os dois precisam dialogar um com o outro. Desse modo, é inimaginável que seja planejado o fato de Janet Armstrong se destacar muito mais que o próprio protagonista, isso levando em consideração o seu breve desenvolvimento. E se não bastasse, Claire Foy está há anos luz mais coesa com a performance do que Ryan Gosling que demonstra uma apatia acima do normal – não confundam a introspecção performática do ator, visto em outros papeis, com sua falta de talento, com um bom roteiro tudo se conecta e aqui a inexpressividade é vã, repetida e cansativa.
O fato de se passar em um intervalo de nove anos, junto com a falta de carisma do protagonista que permanece bem inferior à pretensão hermética da linguagem contemplativa, faz com que o maior problema do filme se destaque mais do que deveria, o roteiro não condiz com a técnica vislumbrante.
O Primeiro Homem tenta se desvincular a todo custo de um filme pré-formatado para premiações, mas esquece de entregar-se totalmente à intenção de localizar o homem em meio ao caos social. Acaba se tornando um plástico ao ser pouco humano quando, por ironia, tem a humanidade como objeto principal de estudo.