Como ver o invisível?
A nova produção da Netflix “Bird Box” (2018), dirigida por Susanne Bier, tem causado repercussões distintas. Do amor ao ódio, as opiniões são variadas: “horrível, não tem nada a ver”, “esse pessoal não tem mais o que inventar”, “é a mesma coisa de outros filmes, mas agora com um vento que persegue as pessoas”, “não achei nada demais”, “é bom, mas não me tocou”, “achei bom, não sei se entendi tudo, fala sobre maternidade, né?, “é incrível, preciso assistir de novo para entender melhor”; esses são alguns exemplos de falas que ouvi.
Inspirado no movimento de refletir mais sobre como os filmes que eu assisto me impactam, devo confessar que o caso de Bird Box foi bem confuso para mim. Na hora em que terminei de assistir ao filme, lembro de ter falado para a minha esposa que tinha achado a produção “média”. Eu sabia que havia uma série de mensagens nas entrelinhas, mas apesar de ter me envolvido com o desenvolvimento da trama, não sentia que tinha sido emocionalmente impactado. Porém, com o passar do tempo, percebi que conversar com as pessoas havia sido uma iniciativa importante para ressignificar obras de arte. Aos poucos, fui retomando o filme na minha memória e mudando a minha interpretação.
Pouco mais de uma semana depois, uma questão fundamental ressignificou o meu olhar – e, antes de mais nada, esse texto não tem a pretensão de apresentar uma interpretação fechada e definitiva do filme, mas, simplesmente, apresentar o meu olhar e reflexões pessoais. Estava claro para mim que Bird Box não falava sobre um cenário pós-apocalítico, o eixo de discussão não poderia ser a “entidade” – ou qualquer outro nome que você dê – e em como ela faz as pessoas morrerem. O ponto central está, na verdade, na questão que intitula esse texto: como ver o invisível?
A breve – e única – explicação que o filme traz sobre a situação em que os personagens estão inseridos é uma que, aparentemente, não leva a lugar nenhum. Charlie (Lil Rel Howery) conta que uma pessoa, quando confrontada com diabo, enxerga diante de si o seu maior medo. A sua fala recebe pouca atenção dos outros personagens, mas permanece como hipótese explicativa durante todo o filme.
O que me levou a mudar o modo como eu estava significando a produção foi refletir sobre todas as coisas que não podemos – ou não queremos – enxergar, mas que, ainda assim, permanecem presentes em nossas vidas. Quantos traumas e situações mal resolvidas carregamos conosco? Quantas vezes não viramos os olhos para o outro lado fingindo não ver? Quantas vezes não fugimos dos problemas e de outros momentos/pessoas que nos geram incômodos desejando, simplesmente, que sumam?
Assim como Malorie (Sandra Bullock), é comum vivermos em busca de um lugar seguro. Contudo, não temos garantias de que ele exista, de que seja realmente confiável ou mesmo de que conseguiremos chegar até lá. A personagem, em determinado momento, quando decide entrar no barco e remar, sem saber direito para onde estava indo, teve como motivador principal a promessa de uma vida melhor, com menos medos e ameaças.
O primeiro passo para vermos o invisível é estarmos dispostos a olhar.
Não falar sobre o que nos incomoda, não faz com que o incômodo desapareça, apenas adia a resolução do conflito que já está posto. Todos temos fardos a carregar, mas talvez esteja na hora de rever os que você está levando consigo e analisar as consequências que eles tem gerado. Olhe.