Crítica: Bohemian Rhapsody (2018)
Bohemian Rhapsody (2018) rende uma homenagem ok, nada muito além, mas sem desonrar.
Ficha técnica:
Direção: Bryan Singer
Roteiro: Anthony McCarten
Elenco: Rami Malek, Lucy Boynton, Ben Hardy
Nacionalidade e lançamento: Reino Unido e EUA, 2018 (1 de outubro de 2018 no Brasil)
Há uma tríade no rock que pode se assemelhar ao conceito religioso da trindade: três elementos distintos que de certo modo são um só ou se misturam de modo quase indissociável. Estou me referindo à banda Queen, ao vocalista Freddie Mercury e a música Bohemian Rhapsody. Forçando um pouco, dá para dizer que o sucesso de cada um é causa e consequência do outro, até porque Freddie é o Queen (com todo respeito aos demais e mega competentes membros do grupo).
Aqueles que não conhecem e querem ir com uma experiência mais pura sem “spoilers” então pule as indicações a seguir. Mas quem quiser saber mais da história do Freddie Mercury/Queen (inclusive boa parte que está no filme), indico este vídeo do canal Nostalgia. E quem quiser uma experiência imersiva com a música Bohemian Rhapsody a minha dica é o podcast Café Brasil, episódio 455.
O longa Bohemian Rhapsody (e quando eu falar do título do filme estará em negrito, o título da música não) passa pela formação do grupo, a ascensão nas paradas e bastidores, como a criação da canção título deste filme, atritos entre os membros e as relações pessoais do vocalista. Por outro lado, fica nítido o recorte mais ameno – que causou divergências na produção e problemas envolvendo o diretor Bryan Singer.
Logo na abertura temos a câmera buscando o nosso protagonista a partir de movimentos um pouco mais inquietos que o normal. Algo que reflete o espírito do biografado, uma figura ímpar, genial, carismática e mais quantos adjetivos desejar. E esse trabalho com a câmera alterna momentos mais intensos, com closes e planos fixos, relacionado, obviamente com o sentimento necessário. Porém, para o bem ou para mal, sem grandes arroubos neste quesito.
Para dar conta de retratar um pedaço considerável da vida pública dele (não temos a infância de Farrokh Bulsara, nome de batismo de Mercury), o longa faz algumas concessões que podem deixar os fãs um pouco com um pé atrás, em especial no que tange às questões temporais. Contudo, há de se entender que tais elementos não afetando a estrutura narrativa, e portanto não fazem com que o filme perca pontos, enquanto expressão cinematográfica. Pra fins de curiosidade, os fãs tem todo direito de comentar e apontar essas pequenas incongruências.
O que deixa um gosto mais amargo é tornar alguns episódios como uma espécie de check list. O filme tenta percorrer pelos momentos mais marcantes (pequenas frases, por exemplo) e nem seria possível aprofundar em cada um. Então a coisa fica um tanto superficial e afeta o andamento. Mas não a ponto de manchar a experiência.
Se os holofotes/câmeras estão no líder da banda, por consequência, Rami Malek tem muito material. O ator que transitou em trabalhos variados (Uma Noite no Museu, Crepúsculo e a série Mr. Robot) tem uma interpretação magnífica aqui. Se o ano não estivesse muito concorrido, ele poderia cravar uma vaga no Oscar (algo que não é completamente descartado).
Malek incorpora Mercury (o Freddie e não a Daniela) . Do rebolado, passando por pequenos trejeitos, até a presença de palco. Está tudo ali. A entrega do ator foi absurda. O fato de o personagem ter inúmeras características torna uma fonte farta de inspiração, mas isso é também ônus. Armadilhas que o ator conseguiu escapar e nos convencer, sem soar uma paródia.
Na questão vocal, acertadamente, tudo foi dublado. Usa-se muito do áudio original e parte de um trabalho de Marc Martel, músico de extremo talento que corre o mundo cantando Queen de modo surpreendentemente semelhante.
Parte da complexidade mental de Freddie Mercury é exposta nos longos 134 minutos. As dúvidas e certezas sexuais, o processo de criação e a solidão tem presença marcante. Os demais personagens, de modo natural, são meros coadjuvantes. Ainda assim, temos pinceladas e nuances que tornam aquelas figuras algo um tanto além de decorativas.
O tempo dedicado à canção Bohemian Rhapsody é honroso, não só o fato de ser o título, mas por todo o esplendor da música. Curiosamente, optou-se por não tocá-la na íntegra. Há diversos pedaços espalhados ao longo do filme, em um diálogo com o próprio fato da música incorporar diversos estilos e dá aquela sensação de ser mais de uma.
A relação com o público, o magnetismo de Freddie Mercury, também é resgatado – da descoberta deste “poder”, até a consagração máxima. E com menos minutagem, mas de igual impacto, vemos como ele lida com a família. E neste ponto temos uma cena bem emocionante mais para o final de Bohemian Rhapsody
O transitar entre os anos é bem marcado pela direção de arte e figurino. As várias facetas do cantor ao longo da época retratada dão o tom e integram a personalidade, digamos, exótica. Já os efeitos visuais, principalmente no show Live Aid pesam bastante e me tiraram do filme. Entendo que reunir aquela quantidade de pessoas seria complicado, mas o CGI, do jeito que foi, ficou muito artificial.
O principal mérito é o filme não ter vergonha de se apoiar naquilo que ele tem de melhor para entregar: as músicas. Sabendo do potencial sonoro decorrente das letras, melodias e apresentações do Queen, seria duvidoso deixar tudo isso de escanteio. Tanto é que todas as vezes que o foco está nos sucessos do Queen, Bohemian Rhapsody ganha força e com certeza será o fator que fará novos e velhos fãs saírem da sessão com um sorriso no rosto, a despeito de uma falta de vigor do todo.