"Para Todos os Garotos que Já Amei": A "Malhação" da Netflix
Critica Para todos os garotos que já amei
ArteCines

“Para Todos os Garotos que Já Amei”: A “Malhação” da Netflix

Existe uma brincadeira entre alguns cinéfilos que diz que um filme que amara até os 15 anos de idade tem grande chance de te decepcionar caso o assista depois de adulto. Citarei um exemplo: quando criança eu era completamente apaixonado pelo filme “Space Jam” de 1996. Até os meus 15 anos diria que era meu filme preferido, e que assistiria todos anos àquela obra de pura magia e diversão pelo resto da minha vida. Pois bem, não cumpri isso e só revi o filme depois dos 30! Resultado? Achei o filme horroroso.

Entretanto, mesmo não tendo sido nada prazeroso revê-lo, a memória saudosista que tenho pelo filme se mantem intacta, e sim, continuo gostando bastante do filme, e não por que ele é bom, mas por que ele traz consigo uma série de sentimentos que fazem parte do que eu sou hoje. Mas o que isso tem a ver com a obra “Para todos os garotos que já amei”? Parece não ter conexão alguma mas tem. Me acompanhe.

Lara Jean adora escrever cartas de amor secretas para seus paqueras. Só não contava que um dia elas seriam misteriosamente enviadas! Essa é a sinopse oficial disponibilizada pela Netflix, responsável pela produção do filme. A obra é baseada no livro homônimo escrito pela americana Jenny Han em 2014 e que fizera um enorme sucesso no mundo todo. Estamos diante de uma obra que se classifica naquela sub-categoria de “filmes adolescentes”, que são obras feitas para o público infanto-juvenil retratando os dilemas idiossincráticos da idade.

Em entrevista dada a Revista Capricho, a escritora explica de onde surgira a ideia para o livro: “Acho essa época da vida realmente especial. Você está tendo muitas experiências pela primeira vez. Você sempre vai se lembrar do seu primeiro beijo, da primeira vez que alguém partiu seu coração, ou da primeira briga feia com sua mãe. Há muito drama neste período da vida, e isso para um escritor é um prato cheio”. Desta declaração é possível destacar a palavra “experiências “, afinal é nisso que o livro e o filme se apoiam. Lara Jean, uma jovem sem experiência em relacionamentos, e não apenas românticos, mas também sociais, vivencia uma série de “primeiras vezes”, como a primeira viagem sem os pais, o primeiro beijo, a primeira festa, o primeiro porre e por ai vai. Mas o filme não se apoia apenas nas experiências de seus personagens e mas também nas experiências de sua audiência.

Enquanto assistia ao filme, mas parava de pensar no quanto aquela trama me lembrava o seriado “Malhação”, no ar desde 1995 (espero que ninguém esteja calculando quantos anos eu tenho). “Malhação” se popularizou por ser uma série que buscava retratar o mais diversos dilemas da adolescência, sempre usando-se de clichês para familiarizar o público. Lembro que mesmo tendo absoluta certeza que a estudante malvada iria reconhecer seus erros e ficar com o garoto por ela esnobado, havia uma apreensão por parte do público jovem que assistia a série, e quando o acontecimento era confirmado, vibrávamos como se aqueles personagens fossem colegas de classe.

Pela análise de público que acessam o Cinem(ação), é muito provável que você caro e cara leitora, não esteja na idade entre 12 – 18 que compõe o público alvo da ‘novilha’ da Globo. Porém, é aqui que finalmente voltamos com “Para todos os garotos que já amei”. Apesar de ser uma obra voltada para o público infanto-juvenil, sua narrativa leve, bem humorada, sarcástica e cheias de clichês, tem agradado a diversos adultos e adultas, e este gráfico sobre a audiência de “Malhação” disponibilizado pela própria Rede Globo, nos ajuda a entender esse fenômeno.

 

Critica Para todos os garotos que já amei

 

Os números relevam que 58% do público de “Malhação” está entre 25 e 44 anos de idade, e muito tem a ver com aquele sentimento citado no começo do artigo com “Space Jam”. Todos aqueles que já passaram pela adolescência carregam consigo uma série de experiências e sentimentos que podem por vezes suplantar as qualidades técnicas e narrativas de uma obra, e em “Para todos os garotos que já amei” isso fica bem evidente. Ficamos encantados com o carisma e o sarcasmo da protagonista vivida pela simpática Lana Condor, nascida em 1997, que de forma bastante caricata encarna com perfeição uma desorientada adolescente relutante em buscar nossas experiências.

Outro mérito do filme está na forma como a diretora Susan Johnson abre os planos para extrair da direção de arte o contexto necessário para que o público perceba por exemplo a dificuldade que tem Lara Jean para se desapegar da infância, que é onde reside as memórias de sua falecida mãe. Seu quarto parece um quarto de uma criança acumuladora e desorganizada, o que não se reflete em nada na sua personalidade organizada e até meticulosa.

“Para todos os garotos que já amei” resgata aquele clima de adolescência que para muitos de nós já passou. Uma clássica história do amor improvável entre dois jovens que encontram nas suas diferenças um motivo para se conhecerem. Uma história que já vimos dezenas de vez, e continuaremos a ver pois às vezes é confortável navegar em águas seguras, na comodidade dos clichês. Não menospreze aquele seu guilty pleasure do passado. Filmes não são feitos apenas com técnicas apuradas e coerência narrativa, por isso continuo amando “Space Jam“, assim como faço com “Para todos os garotos que já amei“.

 

Leia também:

Deixe seu comentário